Um
comentário sobre o fim da greve da educação no Rio de Janeiro
Leandro Torres, novembro de 2013
Há algumas
semanas chegou ao fim umas das mais importantes greves que o Rio de
Janeiro vivenciou nos últimos tempos. Importância essa tanto pelo caráter do
movimento grevista em si, que em muitos sentidos extrapolou questões
especificamente salariais e apresentou importantes questionamentos políticos,
quanto pelo amplo apoio popular que recebeu – expresso de maneira efetiva em
das grandes passeatas com mais de 50 mil pessoas cada, incluindo atos de
solidariedade em São Paulo e deflagrações de greves análogas em outros estados
e municípios. Os pormenores dessa greve nós analisamos e debatemos em nossa
declaração de outubro, “Por um programa de ação para derrotar os ataques de Paes e Cabral!”. Cabem aqui algumas considerações sobre a forma como ela
acabou e algumas outras questões.
Ao longo
dos mais de dois meses de duração, ambas as greves das redes estadual e municipal
vinham se enfraquecendo. Isso podia ser visto, por exemplo, nas assembleias que
aprovaram o fim da greve. A da rede estadual contou com cerca de 300
educadores, em um universo de cerca de 85 mil. Já a da rede municipal contou
com pouco mais de 2 mil, de um total de 40 mil educadores. Esses números não
podem ser ignorados, principalmente no caso da rede municipal, que chegou a
contar com assembleias de 20 mil educadores (metade da categoria em
reunião) no começo da greve – números estonteantes para os padrões
recentes do movimento sindical brasileiro. Por mais que expressem um desgaste
da greve, esses números estão longe de serem um fator determinante em
compreender o potencial dessa greve (desperdiçado pelas ações da liderança do
sindicato).
Desde o
início, quando as assembleias ainda eram enormes, a liderança do SEPE, composta
em sua maioria por diretores ligados ao PSOL (com destaque para a corrente Insurgência,
antigos Enlace e CSOL) e ao PSTU, queria terminar o movimento com
conquistas rebaixadas através de falas que enfatizavam os “riscos” da
continuidade da greve. A base dos educadores, entretanto, se mostrou muito mais
combativa do que seus atuais líderes, garantindo repetidas vezes a
continuidade da greve através do voto nas assembleias. O esvaziamento das
assembleias mais recentes não pode ser visto como algo “natural”, uma “prova” de
que tinha chegado a hora de terminar a greve, mas sim como um reflexo do beco
sem saída no qual a direção colocou a categoria. É fato, por exemplo, que a
assembleia que encerrou a greve foi esvaziada porque muitos viram no acordo
firmado pela direção em Brasília uma clara indicação de rendição por parte dos seus
atuais líderes.
Portanto,
ante tudo isso, a postura da direção do SEPE não pode se entendida como
outra coisa senão uma grande traição. E corretamente foi assim compreendida por
amplos setores da base, incluindo muitos que votaram pelo fim da greve. Tanto
que nas últimas assembleias de ambas as redes, realizadas após o término da
greve, foram aprovadas moções de repúdio ao acordo assinado pela direção
com os ministros do STF! Essa traição foi
demonstrada na tentativa de minar as forças da greve, sufocando-a ao não
unificar as duas redes em um só comando de greve, ao não organizar um fundo de
greve para resistir ao corte de ponto, e ao marcar em separado muitos atos e
também assembleias. A isso pode-se acrescentar ainda as muitas ações denunciadas
pela caravana de grevistas que foi à Brasília junto com os diretores para a
reunião no STF, que apontam como que a direção do SEPE atuou no
sentido de enfraquecer o movimento:
“A direção do SEPE Central não acatou a decisão em Assembleia do Estado da participação do Comando de Greve na mesa de negociação do STF. Além disso, a categoria não pôde decidir sobre quais diretores participariam da reunião, tendo sido informada apenas após a chegada em Brasília. O roteiro colocado pela direção sequer incluiu o STF no ato realizado em Brasília, ficando essa mesma direção, a todo o tempo, preocupada em deixar a categoria distante fisicamente do local da reunião. A organização dos ônibus foi feita de tal forma, que boa [parte] deles foram vazios mesmo tendo pessoas querendo ir. Os ônibus foram alugados, inclusive, para saírem de Brasília antes do termino da audiência no Supremo [Tribunal Federal]! Isto impossibilitou que a categoria, que enfrentou cerca de quarenta horas de viagem e arcou com todas despesas de alimentação, pudesse receber os informes imediatamente ao término da audiência. Por fim, a negociação realizada levou em conta apenas as punições arbitradas pelos executivos estadual e municipal e não a pauta das duas redes.”― Transcrição do panfleto distribuído na assembleia do dia 24 de outubro, disponível em http://goo.gl/do9piO.
O acordo
firmado em Brasília foi a consumação dessa postura traidora. Mesmo com a
“desculpa” que tal acordo seria posteriormente submetido às assembleias,
a direção tê-lo assinado implicou compactuar com uma covarde chantagem: ou a
categoria aceitava a proposta e encerrava a greve, ou seria considerada responsável por demissões, processos administrativos e multas milionárias ao
sindicato (com os quais os governos ameaçavam caso o acordo não fosse aceito)! Aceitando os termos do governo, incluindo o parco reajuste
salarial oferecido e a promessa da criação de Grupos de Trabalho para
“avaliarem” (num futuro incerto) as demais demandas da greve, a categoria dos
profissionais de educação teria “assegurada” a “conquista” de não ter seu
sindicato destruído por multas milionárias e grevistas demitidos ilegalmente. Em troca de aceitar toda a pauta dos governos municipal e
estadual, e cedendo vergonhosamente às ameaças ratificadas pelo ministro do STF, a direção da categoria se comprometia a encerrar a greve na
assembleia seguinte, sem absolutamente nenhuma demanda concretizada (e
inclusive aceitando a imposição da reposição de todas as horas paradas durante a
greve).
Além
disso, o acordo assinado pela direção contém, em seu preâmbulo, uma aula de
ideologia burguesa da pior espécie, repetindo a ladainha de que a greve prejudica
os estudantes “(...) porquanto a controvérsia quanto aos direitos pretendidos
pelas partes propicia um ambiente de incerteza e insegurança de negativa
repercussão social aos alunos da rede estadual de ensino, a reclamar uma eficaz
e rápida resolução pelo Poder Judiciário”. No parágrafo seguinte, afirma
que há uma possibilidade de acordo capaz de beneficiar ambos os trabalhadores e
o governo: “Há uma nítida zona de acordo possível (zone of possible agreement)
capaz de beneficiar ambas as partes, o que permite a deflagração do processo de
mediação”. Essa é mais uma típica manobra do judiciário para criar uma
aparência de que “todo mundo sai ganhando” enquanto na verdade favorece os governos à custa dos
trabalhadores. Embaixo dessas frases espúrias, encontram-se as rubricas dos
dirigentes do SEPE! Os termos do acordo estão disponíveis em http://goo.gl/dzkNIu.
Se não
fosse o desserviço prestado desde o início pela direção do SEPE, muito
provavelmente a greve poderia ter passado por cima das manobras do STF e
continuado de forma combativa e mobilizada, com a rede estadual (e a FAETEC) se
fortalecendo a partir da grande mobilização da rede municipal, e ambas se
fortalecendo a partir do amplo apoio popular que vinham recebendo nas
ruas. Diferente do que defenderam os burocratas à frente do SEPE,
havia sim condições para se arrancar vitórias verdadeiras
e seguir a luta por um projeto de educação radicalmente distinto daquele
imposto por Costin e Risolia a mando dos interesses do grande capital.
Se a
categoria, ainda que por uma margem de votos muito apertada, decidiu por
terminar a greve, não foi tanto por falta de vontade ou disposição de luta, mas
pela falta de expectativa diante da postura destrutiva da direção do SEPE
tomada desde o início da greve, responsável por dividir a categoria e semear
esperanças de conciliação com os governos – ao que ainda se somou a arapuca
armada em Brasília e da qual essa direção foi cúmplice, por ter aceitado todo o
jogo de cena e as ameaças do alto mandatário da justiça dos patrões. Aqui cabe
um parêntese. Ao fim da greve, o PSTU, setor minoritário da direção do SEPE,
buscou se desvencilhar do setor majoritário, composto pelo PSOL, diante do acordo
tão claramente espúrio e nocivo firmado pelo SEPE em Brasília. Conforme
comentado em seu balanço:
“O SEPE tem muitos problemas sim. Os diretores do SEPE que são militantes do PSTU, apesar de serem muito reconhecidos pela categoria, não foram parte da chapa que venceu as últimas eleições proporcionais. Os companheiros do PSOL que dirigem o sindicato conhecem muito bem nossas críticas e diferenças, porque elas são públicas.”― Uma greve que entrou para a história, Opinião Socialista #471
Entretanto,
ao longo da greve não se viu nenhuma crítica pública do PSTU ao setor
majoritário da direção do SEPE, fosse nas páginas do Opinião Socialista ou nas
assembleias e atos da categoria. Claramente o PSTU não é nenhum tipo de “oposição”
à direção majoritária do SEPE, mas sim um colaborador dela. Nem mesmo nesse
próprio artigo de “balanço” o PSTU criticou a direção pelo acordo com o STF, pois
apesar de reconhecer que ele foi “ruim”, afirma que foi resultado do “enfraquecimento
da greve” e da pouca “adesão da categoria” ao fim da luta (como se isso não
tivesse nenhuma relação com as ações traidoras da direção, que são “esquecidas”
pelo artigo). Conforme muitos educadores combativos comentaram ao longo dos
meses de paralisação, nunca se viu a direção do sindicato tão unificada!
Unificação essa firmada não no sentido de fortalecer o movimento, mas de pôr
rédeas nele e torná-lo mais fácil de ser manobrado, para permitir um acordo
rápido com os governos e cantar uma “vitória histórica” – mesmo que baseada em nenhuma
conquista concreta.
Portanto,
repudiamos de forma veemente o papel de vítima que o PSTU tentou tomar para si após
as ultimas assembleias, nas quais foi hostilizado, junto com resto da direção
do sindicato, por cartazes, faixas e palavras de ordem de setores mais combativos
da categoria (veja-se, por exemplo, a nota do dia 25 de outubro http://www.pstu.org.br/node/20109). Esse partido, junto com o PSOL, tem sim uma
responsabilidade direta pela derrota da greve – que hipocritamente tenta também
apresentar como “vitória histórica”.
Entretanto,
não podemos deixar de repudiar também a postura assumida por alguns
setores que atuam na categoria (alguns dos quais se reivindicam como anarquistas),
de igualar a direção à entidade e defender a dissolução do sindicato. E, ainda
pior, a postura de alguns militantes de endossarem e comemorarem o ataque
realizado por um hacker ao site do SEPE (ataque esse que sequer sabe-se se foi
um ato irresponsável de algum militante da esquerda ou uma provocação de nossos inimigos de
classe!).
Por mais
que sindicatos não sejam necessariamente um instrumento suficiente para que a
classe trabalhadora tome em suas mãos o controle da sociedade, eles cumprem sim
um papel importante de aglutinação e espaço de experiência política para os
trabalhadores, tendo servido como instrumentos muito avançados em algumas
ocasiões históricas. Igualar o instrumento à sua direção traidora é uma
cegueira sectária que ignora o atual nível de consciência da maior parte dos
trabalhadores. E pior ainda é comemorar ataques a esse instrumento, que
deveriam ser empregados contra nossos inimigos de classe, e não
contra os adversários políticos nas fileiras do
proletariado. Principalmente se levarmos em conta que a classe dominante
recentemente tentou caçar o registro sindical do SEPE (e o conseguiram por um
breve momento) e já criaram até um “substituto” chapa-branca e fantasma, a “UPPE”
(sugestivamente semelhante à sigla UPP).
Muitas
lições podem e devem ser tiradas dessa greve, tais como a necessidade da classe
trabalhadora confiar apenas nas suas próprias forças, e não na justiça dos
patrões (responsável pelo “acordo”/chantagem) ou no parlamento (que aprovou a
contra-reforma do PCCS de Paes/Costin); a necessidade das lutas irem além do
corporativismo tacanho e se ligarem a causas mais amplas; a compreensão do
papel da PM e das demais forças policiais, como a Guarda Municipal e a Polícia
Civil, que sitiou a cidade para que os lacaios de Paes aprovassem o PCCS e que
atacou e prendeu tantos lutadores nesses últimos meses; a necessidade dos
trabalhadores organizarem comitês de autodefesas para resistir aos cães da
burguesia e proteger suas mobilizações de rua; e, principalmente, a experiência
feita com o oportunismo dos setores que compõem a direção do SEPE, em especial
o PSOL e o PSTU.
Para
cristalizar essas lições e levá-las adiante, acreditamos ser necessária a
formação entre os educadores e demais trabalhadores de uma corrente
revolucionária combativa. Orientado pelo programa marxista anticapitalista, tal
corrente deve se opor de forma firme ao oportunismo de uns e ao sectarismo de
outros. A greve pode ter acabado, mas a luta deve seguir – nas ruas e no
Congresso do SEPE: contra o PCCS de Paes/Costin, pela liberdade e anistia de
processos dos presos políticos que atuaram ombro a ombro com os educadores e
por uma educação radicalmente diferente, que esteja a serviço dos interesses da
classe trabalhadora. Não tem arrego!