Os
maoístas de A Nova Democracia e o
mito do “revisionismo moderno”
Qual revisionista
veio primeiro: Kruschev ou Stalin?
Por Marcio Torres, outubro
de 2014.
Nós do Reagrupamento Revolucionário publicamos recentemente um documento histórico da
antiga seção brasileira da Quarta Internacional, o Partido Socialista Revolucionário. Na introdução que preparamos
para tal material, afirmamos que “A denúncia do PSR da política de colaboração de
classes de Prestes coloca em cheque o balanço histórico que muitos stalinistas
atuais fazem do PCB. Aqueles que imaginam alguma suposta integridade política
do partido ao longo de sua história, ao se depararem com as críticas
trotskistas feitas tanto pelo PSR quanto por seus predecessores, encontrarão
sérias dificuldades em sustentar tal mito” (Dos arquivos do trotskismo brasileiro – o Partido Socialista
Revolucionário, junho de 2014. Disponível
em http://goo.gl/wixCce).
Das correntes que se
reivindicam enquanto “herdeiras” do PCB, a maioria sequer faz questão de
reivindicar um suposto passado revolucionário do partido (tamanha a sua
degeneração) ou então não apresenta um balanço público coerente com o qual
possamos dialogar (veja o APÊNDICE ao
fim deste artigo). Dentre os stalinistas brasileiros, os que apresentam a
análise mais elaborada acerca do passado do PCB são os maoístas agrupados em
torno do jornal A Nova Democracia (AND) e que atuam em diferentes frentes
políticas – a mais conhecida das quais é o Movimento Estudantil Popular
Revolucionário (MEPR).
Os maoístas
brasileiros dizem lutar para refundar um PCB “das origens”, supostamente
detentor de uma trajetória coerente e revolucionária e que teria sido destruído
em meados da década de 1950 pelo que chamam de “revisionismo moderno”. Através
de suas publicações, eles apresentam de forma retrospectiva diversas críticas
à direção do PCB no pós-Segunda Guerra, algumas das quais similares às
realizadas pelos trotskistas brasileiros na
época, como no artigo que publicamos em nosso Arquivo Histórico –
fundamentalmente, a crítica do PSR à política pacifista e de colaboração de
classes de “unidade nacional” com Vargas, em prol da “democracia” (burguesa) e
do desenvolvimento do capitalismo “nacional”.
Para AND, foi apenas
com o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (1956), portanto
após a morte de Stalin, que se consolidou uma linha pacifista e de
conciliação de classes no seio do movimento comunista internacional,
expressas em tais posições do PCB. O balanço que fazem do desenvolvimento do revisionismo
sinteticamente encara que:
“O XX Congresso [do
PCUS] aprovou teses sobre o término da guerra imperialista e o advento da
transição pacífica ao socialismo. Apesar de o XX Congresso ter sido bem
recebido por diferentes partidos comunistas onde o oportunismo estava
cristalizado, quadros dirigentes e intermediários em todo o mundo saíram em
defesa do Socialismo e de Stálin na maior luta ideológica da história.”
– O desvio de direita no Partido Comunista do
Brasil – Parte I. AND n. 17, de março de 2004.
Em relação ao Brasil,
encaram que a “Declaração de Março de 1958” foi a responsável pela degeneração
definitiva do PCB. Os maoístas apontam que:
“as siglas PCdoB e PCB, bem como outras como
PCR, PCML, PPS, PSB, isso para não falar do leque de organizações trotskistas,
fundem-se num programa único, cujos fundamentos estão expressos e desenhados na
‘Declaração de Março de 1958’, primeira síntese do revisionismo kruschevista e
contemporâneo em nosso país. Toda decrepitude que atingiram essas diferentes
siglas que se reivindicam comunistas, socialistas e revolucionárias e cuja
expressão maior e mais evidente é o papel desempenhado pelo PCdoB, nada mais é
do que a concretização, em seus últimos termos, da declaração acima referida”.
— Décadas do predomínio do revisionismo e a necessidade
do partido marxista-leninista. AND n.
88, de abril de 2012.
Os autointitulados
“antirrevisionistas” reivindicam (criticamente) a batalha interna de quadros do
PCB, como João Amazonas, Pedro Pomar e Maurício Grabois e sua ruptura de 1962,
que originou o PCdoB, afirmando o caráter “revisionista” da política adotada
pelo PCB desde então:
“Um abismo separava
comunistas e revisionistas desde a preparação do V Congresso do PCB, realizado
em 1960, onde os revisionistas encabeçados por Prestes saem vitoriosos
consagrando as teses oportunistas e contrarrevolucionárias, sob o manto
kruschevista do anti-stalinismo. O Partido Comunista passa a pregar o
colaboracionismo aberto com a burguesia, num servilismo nunca antes visto em
sua história.”
— O desvio de direita no Partido Comunista do Brasil –
Parte I. AND N. 17, de março
de 2014.
Entretanto, os
maoístas omitem a ligação entre as posições oportunistas do PCB e de outros
Partidos Comunistas e aquelas adotadas na mesma época (assim como em todo o
período precedente) pela liderança de Stalin e pelo Partido Comunista da União
Soviética por ele liderado, como se estes estivessem em mundos completamente
diferentes.
Essa leitura falsa é feita
para encaixar com a análise que o maoísmo fez da história da União Soviética,
segundo a qual foi apenas a partir do XX Congresso do PCUS e da publicação do Relatório Kruschev que o “revisionismo”
teria vencido a suposta “ortodoxia”, levado ao abandono dos princípios
revolucionários e provocado a restauração do capitalismo na URSS (que teria se
tornado um país “social-imperialista” como num passe de mágica).
A linha formulada
pela burocracia russa teria então sido difundida ao redor do mundo,
transformando o que os maoístas chamam de “movimento comunista internacional”
(a Internacional Comunista já havia sido dissolvida por ordem do próprio Stalin)
em um mero braço da diplomacia externa “revisionista” da URSS. Dessa forma, a
política dos partidos comunistas teria se tornado uma moeda de troca nas
negociações traiçoeiras do Kremlin com a burguesia imperialista e suas
sucursais nacionais.
Mas para os
trotskistas, defensores dos princípios marxistas que desde 1924 já se colocavam
de forma organizada em oposição à deturpação do bolchevismo pela direção do
PCUS e pela Internacional Comunista estalinizada, as posições kruschevistas
pós-XX Congresso não foram nenhuma novidade. Na verdade, elas possuem uma
ligação íntima com as posições formuladas por Stalin e seus seguidores.
Para os maoístas de
AND, seria fatal reconhecer a verdadeira origem de tal “revisionismo”. De
acordo com sua caracterização, apenas nas décadas de 1950-60 o PCB havia se
desviado definitivamente do caminho revolucionário que supostamente vinha
seguindo. Isso os faz enxergar na fundação do PCdoB o resgate (parcial) do “PCB
das origens”, a partir da crítica ao “revisionismo kruschevista”. Entretanto,
se fossem coerentes com suas críticas às posições-chave dos “revisionistas”,
perceberiam que a maior parte das posições que criticam em Kruschev (pacifismo e
disposição em coexistir com o imperialismo, conciliação de classes, adaptação à
democracia burguesa, etc.) são uma continuidade
direta das posições desenvolvidas por Stalin. Ao defender o legado deste,
precisam incorrer em falsificações e silêncios gravíssimos – caso contrário,
seriam forçados a reconhecer que o stalinismo é que é um revisionismo em
relação às posições Bolcheviques.
Stalin: pai e precursor do “revisionismo moderno”
Os maoístas dizem
combater a tese kruschevista da “coexistência pacífica” da URSS com o
imperialismo, conforme delineada no XX Congresso do PCUS. Essa tese defende
que:
“Para fortalecer a paz em todo o mundo teria
uma importância enorme o estabelecimento de firmes relações de amizade entre as
duas maiores potências: a União Soviética e os Estados Unidos da América.
Consideramos que, se as relações entre a URSS e os Estados Unidos se baseassem
nos conhecidos cinco princípios da coexistência pacífica, isso teria uma
importância enorme para toda a humanidade e, como é natural, seria tão benéfico
para o povo dos Estados Unidos como para os povos da URSS e dos demais países.
Estes princípios — respeito mútuo da integridade territorial e da soberania,
não-agressão, não-ingerência nos assuntos internos de outros países, igualdade
e vantagens mútuas, coexistência pacífica e colaboração econômica — são hoje
compartilhados e apoiados por uns vinte países.”
— N.S. Kruschev, Informe sobre a Atividade do CC do PCUS ao
XX Congresso do Partido, março-junho de 1956.
Mas não é verdade,
como defendem tão apaixonadamente os supostos “antirrevisionistas”, que essa
tese contrarrevolucionária da “coexistência pacífica” entre a URSS e as
potências imperialistas tenha sido criação de Kruschev.
Vejamos, por exemplo, duas reveladoras entrevistas concedidas pelo
suposto “grande dirigente comunista Josef Stalin” (conforme o chama AND) após o
término da Segunda Guerra Mundial.
Em dezembro de 1946,
o jornalista Elliott Roosevelt entrevistou Stalin no Kremlin. Entre as doze perguntas
feitas, consta a seguinte, seguida de uma resposta que os maoístas de AND
deveriam caracterizar como intrinsecamente “revisionista” caso fossem coerentes
em seu balanço da história do movimento comunista:
“Entrevistador: Você acredita que é possível
para uma democracia como a dos Estados Unidos conviver neste mundo de
forma pacífica lado a lado com uma forma comunista de governo como a da
União Soviética, e sem tentativas de qualquer uma das partes em interferir com os assuntos
políticos internos da outra?
“Stalin: Sim, é claro. Isso não é apenas possível. É também sábio e inteiramente dentro
das possibilidades de concretização. Nos momentos mais enérgicos da guerra, as
diferenças nas formas de governo não impediram as nossas duas nações de se unirem
e exterminarem nossos adversários. É ainda mais possível continuar essa relação
em tempos de paz.”
— Entrevista com
Elliott Roosevelt, 21 de dezembro de 1946. Tradução e grifo
nossos.
Em outra ocasião, no
ano de 1947, o jornalista Harold Strasser perguntou a Stalin se era possível que
os sistemas dos EUA e da URSS, um “com o Partido Comunista e sua economia
planejada e propriedade coletiva socializada” e o outro “com seu mercado livre
e com capitalismo privado regulado”, pudessem “existir juntos no mesmo mundo
moderno, em harmonia um com o outro”. Ao que Stalin respondeu de forma
bem direta:
“É claro que eles podem. A diferença entre eles não é importante para
a questão da cooperação. Os sistemas da Alemanha e dos Estados Unidos são os
mesmos, mas a guerra eclodiu entre eles. Os sistemas da URSS e dos EUA são
diferentes, mas nós não travamos uma guerra entre nós, e a URSS não propõe algo
assim. Se eles puderam cooperar durante a guerra, porque eles não podem fazê-lo
hoje, sob a paz, dado o desejo por
cooperação? [...]”.
— Entrevista com Harold Stassen, 09 de abril de 1947.
Tradução e grifo nossos.
Portanto, para aquele
a quem AND considera um expoente da ortodoxia revolucionária era não só
possível, como desejável, que as conquistas da Revolução de Outubro (a
coletivização dos meios de produção e a supressão da anarquia de mercado via
planejamento) convivessem de forma harmônica e
pacífica com a escravidão assalariada, a “democracia” dos ricos e a
penúria e sofrimento de milhões de proletários ao redor de todo o globo. Lenin
tinha uma visão bastante diferente sobre a possibilidade de coexistência do regime
soviético com o imperialismo. Em 1920, ele escreveu:
“Nós passamos agora da arena da guerra para a
arena da paz e nós não nos esquecemos de que a guerra virá novamente. Enquanto
o capitalismo e o socialismo permanecerem lado a lado, nós não podemos viver
pacificamente – um ou o outro vencerá no final. Um obituário será lido
ou sobre a morte do capitalismo mundial ou sobre a morte da República
Soviética. No atual momento, nós temos apenas uma pausa na guerra!”
— Escritos, Vol. XVII. 27 de novembro de 1920. Grifo nosso.
Não à toa, a
Internacional Comunista fora dissolvida em 1943 pelos carrascos stalinistas.
Não porque ela “cumprira seu papel” ou porque “a maior complexidade e
diversidade da situação política e das tarefas em cada país já não
correspondiam aos métodos e formas existentes”, como afirmam os maoístas (Vitória
sobre o nazi-fascismo, Conferência da Mantiqueira e as ilusões constitucionais,
AND N. 82, outubro de 2011). O motivo foi que a existência de um
instrumento internacional que antes amedrontara todos os burgueses da face da
terra (ainda que depois de ser corrompido pela burocracia stalinista) se
colocava enquanto verdadeiro empecilho para a política externa diplomática do
Kremlin.
Conforme demonstram
as declarações de Stalin, seu representante-mor, os burocratas soviéticos estavam
mais preocupados em tentar garantir a manutenção de seus privilégios via conciliação com as potências
imperialistas do que interessados na emancipação das classes oprimidas pelo
capital. E ainda assim, esses senhores possuíam a pachorra de se reivindicarem
“herdeiros” dos Bolcheviques que, durante os primeiros anos da república dos soviets, estavam dispostos a colocar em
risco até mesmo a conquista do poder na Rússia caso isso permitisse expandir
mundialmente a revolução proletária.
Foi essa linha pacifista
a nível internacional frente ao inimigo imperialista, formulada pelo próprio Stalin,
que determinou a linha da ala prestista do PCB, caracterizada pela AND enquanto
“revisionista”. Essa ala nada mais estava fazendo do que defendendo uma
expressão nacional do pacifismo e da colaboração de classes propagado pela
diplomacia externa de Moscou.
Colaboracionismo aberto com a burguesia
Um dos mais infames
pontos da Declaração de Março de 1958 do PCB, criticada pela AND, é a “Frente
única e a luta por um governo nacionalista e democrático” em aliança com a
burguesia brasileira para supostamente combater o imperialismo:
“O proletariado e a burguesia se aliam em
torno do objetivo comum de lutar por um desenvolvimento independente e
progressista contra o imperialismo norte-americano. Embora explorado pela
burguesia, é do interesse do proletariado aliar-se a ela, uma vez que sofre
mais do atraso do país e da exploração imperialista do que do desenvolvimento capitalista.
Entretanto, marchando unidos para atingir um objetivo comum, a burguesia e o
proletariado possuem também interesses contraditórios.
(...)
“Um governo nacionalista e democrático pode
ser conquistado pela frente única nos quadros do regime vigente e aplicar uma
política externa de independência e de paz, assegurar o desenvolvimento
independente e progressista da economia nacional, tomar medidas em favor do
bem-estar das massas, garantir as liberdades democráticas.”
— Declaração sobre a Política do PCB, março de 1958.
Como já havíamos
apontado em nossa introdução ao artigo dos trotskistas brasileiros do PSR, os
maoístas dizem combater a política de “união nacional” das supostas “forças
progressistas”, o que implica uma aliança com a burguesia nacional (a qual na
realidade não é capaz de nenhum desenvolvimento “progressivo” para os
trabalhadores e camponeses):
“Com a Declaração de
Março de 1958, ficará clara a unidade entre as posições de Barata e de Prestes.
Barata [membro do Comitê Central do PCB] defendia a necessidade de ‘lutar
para dar à nossa Pátria um governo
nacionalista, democrático e
progressista, que seja a expressão das forças integrantes de um amplo movimento
patriótico’. Na Declaração de Março de 1958, esta questão aparece da
seguinte forma: ‘A derrota da política do imperialismo
norte-americano e de seus agentes internos abrirá caminho para a solução de todos
os demais problemas da revolução nacional e democrática no Brasil’. Isto para
estabelecer um ‘governo nacionalista e democrático’ através da conquista de
espaços, da luta pacífica e das eleições.”
— A cisão de 1962 e a luta pelo partido marxista-leninista. AND n.
84, de dezembro de 2011.
Mas os stalinistas
começaram a propor governos de colaboração com a burguesia muito antes de 1956 (ou
1958) e do suposto advento do “revisionismo moderno”. Essa é a essência da
política de “Frente Popular” desenvolvida pelos partidos da Internacional
Comunista depois do flerte esquerdista do “Terceiro Período” (1929-34). Enquanto na época do
“Terceiro Período” os stalinistas insistentemente se recusaram a qualquer
tipo de unidade na luta com
outras organizações do movimento operário (a teoria de que os partidos
socialdemocratas eram “social-fascistas”), depois do choque da chegada de
Hitler ao poder na Alemanha, a Comintern
passou a pregar a subordinação do movimento operário à democracia burguesa,
priorizando a tentativa de alianças com setores burgueses para combater o
fascismo – um verdadeiro giro de 180º.
O documento lido por Gregori
Dimitrov e aprovado pelo VII Congresso da Internacional Comunista estalinizada
(1935) o demonstra muito bem, ao defender que era uma prioridade para os Partidos Comunistas formar alianças políticas
entre o movimento operário e partidos burgueses populistas, apontando que “Sob
certas condições, nós podemos e nós devemos focar nossos esforços na tarefa de trazer esses partidos e
organizações, ou certas partes deles, para o lado da frente popular
antifascista, apesar da sua
liderança burguesa.” (Grifo nosso). Dimitrov também
reivindicou o desejo de apoiar um “governo democrático e progressista”
(burguês) na França:
“E se na França o
movimento antifascista levar à formação de um governo que irá travar uma
verdadeira guerra contra o fascismo francês – não em palavras, mas em atos – e
que irá carregar o programa das demandas da Frente Popular antifascista, os
Comunistas, ao mesmo tempo em que permanecerão os adversários irreconciliáveis
de todo governo burguês e defensores de um governo soviético, irão, não
obstante, em face ao crescente perigo fascista, estar preparados para apoiar tal governo.”
— Relatório Principal ao VII Congresso da Internacional
Comunista, Gregori Dimitrov, 2
de agosto de 1935. Grifo
nosso.
Assim, quando Prestes
e seus aliados no Comitê Central do PCB defenderam a aliança com Vargas e os
setores supostamente “progressistas” da burguesia brasileira (conforme
denunciado no artigo do PSR que reproduzimos), eles nada mais estavam fazendo
do que sendo coerentes com a linha “antifascista” e “pró-democracia” (burguesa)
delineada pela IC em seu último congresso, bem como com a declaração de Stalin
no pós-guerra, de que era tempo de “convivência pacífica e harmônica” com o
capitalismo.
Mas o relatório de
Dimitrov foi apenas uma declaração tímida da disposição dos stalinistas em
sustentar a ordem burguesa. Vejamos esse discurso do dirigente do Partido
Comunista Espanhol, José Dias, proferido ao CC de tal partido em meio à situação
revolucionária no país e publicado em 1937 no órgão da Internacional Comunista
– portanto, aprovado e endossado por sua liderança supostamente revolucionária. Nele, Dias defende a renúncia à
ditadura do proletariado e à expropriação revolucionária da burguesia e
latifundiários, em nome de uma luta “ampla” em prol da democracia burguesa
parlamentar e em unidade com os patrões “progressistas”, colocando assim
limites definidos à luta e classes no Estado Espanhol:
“Estamos vivendo na Espanha um estágio de
desenvolvimento da revolução democrática,
cuja vitória exige a participação de todas as forças antifascistas e esses
ensaios [de ‘socialização’ de fábricas e terras] só podem servir para assustar
e afastar essas forças. (...) Estas posições anteriores explicam como o fato de
não se haver compreendido claramente o caráter de nossa luta está levando
organizações e partidos simpáticos ao nosso a adotarem atitudes extremistas que
em nada beneficiam a causa do povo, pois ao invés de nos levar rapidamente à
vitória, entorpecem grandemente a conquista desta. A estas posições erradas
correspondem esses ensaios prematuros de ‘socialização’ e ‘coletivização’.”
(...)
“Hoje, quando há um governo de Frente
Popular, em que estão representadas todas as forças que lutam contra o
fascismo, isto não é aconselhável, mas contraproducente.
Agora, deve-se coordenar e intensificar rapidamente a produção, sob uma única
direção, para abastecer toda a frente e a retaguarda. Persistir agora nesses
ensaios vai contra os interesses que se disse defender. Lançar-se a esses
ensaios prematuros de ‘socialização’ e de ‘coletivização’, quando ainda não
está decidida a guerra, em momentos em que o inimigo interior, ajudado pelo
fascismo exterior, ataca fortemente nossas posições e põem em perigo a sorte de
nosso país, é absurdo e equivale a converter-se em cúmplice do inimigo. Tais
ensaios revelam a incompreensão do caráter da nossa luta, que é a luta em defesa da
república democrática, na qual podem convergir todas as forças populares,
inteiramente necessárias para se ganhar a guerra.”
— Por la unidad, hacia
la victoria. Valença, 05-08 de
março de 1937. Tradução e grifo nossos.
Tais forças “populares” incluiriam os empresários e advogados do
Partido Liberal no governo de coalizão burguês. Temos aqui um exemplo de como a
Internacional Comunista de 1935 (dirigida pelo PCUS de Stalin) endossou a
supressão da luta de classes em seu grau mais elevado, quando trabalhadores e
camponeses armados lutavam pela expropriação da burguesia, em troca de um
“governo de unidade nacional” (Frente Popular) com setores da burguesia. É
preciso lembrar que, apesar da disposição de colaborar dos stalinistas, a maior
parte da burguesia espanhola se aliou com os fascistas. A maior traição que um
partido supostamente “comunista” pode realizar em uma época de revolução
socialista, que é conciliar com os interesses da burguesia – a ponto de estar
em um governo “unitário” com ela – tem suas origens não em Kruschev ou em “desvios”
de Prestes, mas na própria política difundida pela Comintern de Stalin.
Artimanha maoísta: colocar toda a culpa nos capatazes de
Stalin
Como a história não
se submete às demandas políticas de A
Nova Democracia, eles são forçados a reconhecer que posições oportunistas
já existiam no seio do movimento comunista anteriormente ao XX Congresso do
PCUS. No Brasil, elas teriam se expressado, por exemplo, na forma de um
“liquidacionismo” à época da Conferência da Mantiqueira (1943), responsável por
refundar o PCB após este ter sido desarticulado pela repressão varguista
posterior a 1935.
Segundo a leitura dos
maoístas, nessa época “o PCB é tomado
pela falsa ideia de que, com a situação de vitória sobre o fascismo e a
atmosfera democrática criada com o fim da guerra, abrira-se a possibilidade
para uma transição pacífica no mundo” e, assim, sua “nova direção cairá nas ilusões constitucionais e lançará a palavra de
ordem ‘Constituinte com Vargas’” (posição essa que apenas os trotskistas
brasileiros do PSR combateram na época). Da mesma forma, os maoístas apontam que:
“O balanço superficial de 1935, tomado como
um erro de tipo golpista, e a entrada do Brasil na guerra levam a direção do
PCB a mudar a caracterização do governo Vargas, passando a considerá-lo um
representante da ala ‘progressista’ da burguesia nacional, sendo um aliado da
classe operária e cabendo ao partido apoiar setores progressistas no governo
através da política de ‘União Nacional’.”
— Vitória sobre o nazi-fascismo, Conferência da Mantiqueira
e as ilusões constitucionais. AND N.
82, outubro de 2011.
Internacionalmente,
os maoístas encaram que esse revisionismo vinha se mostrando em diversos
dirigentes dos Partidos Comunistas pelo mundo. Dão particular destaque ao
dirigente do Partido Comunista dos Estados Unidos de 1934 até 1945, Earl
Browder, ao dizer que “Nele já estavam
contidos os principais elementos do revisionismo moderno, que logo foi
desenvolvido por Tito na Iugoslávia, Togliatti na Itália, Thorez na França,
sendo finalmente sistematizado por Kruschev no XX Congresso do PCUS, em 1956”.
É inegável o papel
cumprido por Browder na liderança do PC americano. Ele propôs uma “transição
pacífica” do capitalismo ao socialismo, defendeu a supressão de greves contra o
governo americano que fossem atrapalhar o esforço de guerra imperialista,
apoiou o governo Roosevelt, defendeu as tropas americanas na guerra contra
outras potências (como o Japão), dissolveu o partido numa frente de cunho
pacifista etc. Mas AND tenta apagar a responsabilidade de Stalin, como se
todas essas posições tivessem sido invenção de Browder. A crítica feita a
Prestes e a Browder, por exemplo, parece ignorar o fato de que estes eram
representantes da Internacional Comunista controlada pelo dirigente soviético.
Vejamos um exemplo da crítica feita por AND
a Prestes e ao PCB nos anos 1940:
“Já em 1944 o PCB substitui a consigna
revolucionária de 1935 de ‘Todo poder à ANL’ pela oportunista de ‘União
Nacional na Paz e na Guerra’. A mesma de Browder, logo substituída por ‘União
Nacional para a Democracia e o Progresso’.”
— Vitória sobre o nazi-fascismo, Conferência da
Mantiqueira e as ilusões constitucionais. AND N.
82, outubro de 2011. Grifo nosso.
Agora comparemos as
palavras de ordem de Prestes e de Browder com aquela defendida por Stalin no
mesmo ano. Em novembro de 1944, quando a guerra estava acabando na Europa,
Stalin teve uma conversa particular com o líder do PC Francês, Thorez (outro dirigente
que é acusado por AND de ser um “precursor” do revisionismo) na qual o
aconselhou a “encontrar aliados” na burguesia francesa (sobretudo na figura do
Partido Radical) para “fortalecer a democracia na França” e reconstruir o país
em bases capitalistas:
“Deve haver uma
plataforma para a organização política. Essa plataforma deve incluir a
recuperação da indústria, dar trabalho aos desempregados, a defesa da
democracia e a punição daqueles que tentem sufocar a democracia.”
“Então o camarada
Stalin diz que não é útil chamar tal bloco de ‘frente’. Nesse caso, o nome
poderia lembrar a burguesia da ‘frente popular’. Deve-se achar outro nome.
Talvez pudesse se chamar ‘Movimento para Fortalecer a Democracia na
França’. Se alguém disser ‘Movimento de Luta pela Democracia’, eles
poderiam responder que já existe uma democracia na França, que há uma
República etc. Talvez fosse melhor chama-lo de ‘Movimento pela Reconstrução de
uma França Forte e pelo Fortalecimento da Democracia’. Esse nome
certamente é um pouco longo, mas os comunistas franceses podem eles próprios
achar um nome melhor. O camarada Stalin explica que ele está apenas dando uma
ideia, mas que os comunistas franceses podem achar as formas concretas da
realização da plataforma desse movimento. Diz o camarada Stalin que se deve incluir
acima de tudo a reconstrução econômica do país e a consolidação da democracia.
A plataforma deveria ser explicada nesse quadro.”
— Notas de uma conversa
de J.V. Stalin com o Secretário Geral do CC do Partido Comunista Francês camarada Thorez, 19 de novembro de 1944. Tradução e
grifo nossos.
A
semelhança entre as tarefas colocadas por Stalin e por seus capatazes nacionais
não era mera coincidência. É verdade que as posições pacifistas de Prestes estavam
em consonância com aquelas de Browder, mas não é menos verdade que as posições
deste, assim como as de Thorez, Togliatti e Cia. estavam alinhadas com as
instruções do próprio Stalin. Isso faz cair por terra o mito maoísta de
que existiu um movimento revisionista no interior dos Partidos Comunistas sem
que Stalin nada tivesse a ver com isso!
Além disso, uma série
de pontas permanece solta na versão maoísta dos fatos. Por exemplo, à época em
que teria se expressado “pela primeira vez” o “revisionismo moderno” de Browder,
a Internacional Comunista ainda existia. Acaso houve alguma batalha interna
entre uma ala supostamente “marxista-leninista” alinhada ao “grande dirigente comunista
Josef Stalin” (conforme o chama AND) e esse revisionismo propagado por Browder
e outros?
A resposta é não.
Browder só perdeu seu posto de dirigente do PC americano após o fim da guerra
(1945), quando o governo norte-americano começou a “caça às bruxas” e rompeu
assim a lua de mel firmada pelos stalinistas durante o conflito mundial. Diante
dos conflitos internos que envolveram o PC americano em 1945, foi vantajoso
para a liderança da Comintern colocar
sobre Browder a culpa por todos os oportunismos e erros, como uma forma de
blindar a sua própria política de colaboracionismo. Mas em 1940-44, enquanto
Browder realizava acordos com o governo americano para impedir que ocorressem greves
operárias contra o “aliado” imperialista da URSS, e dava apoio eleitoral a
Roosevelt, Browder contava com o pleno apoio da liderança soviética.
A própria dissolução
organizativa do Partido Comunista realizada por Browder em 1944, na forma de
uma “Associação Política Comunista” com o objetivo de deixar claro para a
classe dominante americana que eles não seriam um problema, teve como
precedente a dissolução (no ano anterior) da Comintern, feita com a mesma
intenção. Uma vez
removido da liderança, Browder foi substituído por William Foster, escolhido
por ser um antigo dirigente comunista e fiel seguidor da linha de Stalin. Como
forma de deixar claro para uma ala esquerda do PC que a mudança na direção não
implicava nenhuma mudança de linha política, Foster publicou um artigo na
revista do partido onde afirmava:
“De acordo com esses camaradas, nós estamos em via de (ou
deveríamos fazer isso), denunciar a guerra contra o Japão como imperialista,
condenar as decisões [da Conferência] de Teerã como inatingíveis, abandonar a
palavra de ordem pela unidade nacional [com o governo Roosevelt], chamar por um
governo operário-camponês, desistir do compromisso de não fazer greve durante a
guerra (...), levantar a questão do socialismo como um assunto imediato, e
adotar de forma geral uma política de classe contra classe (...) Nosso
partido, até onde sei, não irá seguir por um curso esquerdista como esse.”
—
Citado em O Mito do “Revisionismo
Browderista”, Workers Vanguard No. 129, 15 de outubro de 1976.
Originalmente publicado em Political Affairs, setembro de 1945. Tradução e ênfase nossas.
De forma que, ou
Stalin deu plena sustentação e autoridade a esses líderes oportunistas,
precisamente porque estes seguiam a política que era ordenada desde Moscou, ou
então o dirigente soviético era um fantoche ingênuo que não tinha a menor ideia
do que se passava na política dos Partidos Comunistas pelo mundo. Somente
alguém disposto a acreditar em contos de fadas poderia escolher a segunda
alternativa.
No artigo do PSR que recentemente reproduzimos, os
trotskistas brasileiros criticam de forma bem direta a política de paz com o
imperialismo, e mostram como ela era ditada desde Moscou por Stalin e sua
camarilha. Esse artigo data de muitos anos antes da ruptura de Grabois, Pomar e
Cia. reivindicada pelos maoístas e, conforme os trotskistas brasileiros de
então apontaram, tal política não era invenção da “ala prestista” do PCB, mas
baseada na ideia absurda de “desenvolvimento pacífico” após a derrota das
potências fascistas. Prestes e Cia. apenas seguiam à risca a política de
Moscou:
“O falso radicalismo pequeno-burguês do chefe do P.C.B. não consegue
sequer mascarar o abandono total do marxismo pelo antigo capitão da ‘Coluna
Prestes’. As fontes de sua linha geral são visíveis. A orientação ‘tático-estratégica’ do P.C.B. emana da afirmativa de
Stalin de que ‘terminou o período de guerra, e começou o período do
desenvolvimento (!) pacífico’. Essa constatação do mágico do Kremlin
bastou para que seus satélites no mundo todo se apressassem em lançar ao desvão
das coisas imprestáveis até mesmo a fraseologia pseudorrevolucionária.”
— O momento político e a posição do Partido
Socialista Revolucionário,
julho de 1945. Originalmente publicado no Diário Carioca. Ênfase adicionada.
As origens do revisionismo no velho PCB
Muitas das posições
criticadas pelos maoístas de AND na política do PCB após a Segunda Guerra –
fundamentalmente, de uma aliança com a burguesia e da defesa de um período de
desenvolvimento capitalista antes de se lutar pelo socialismo – tanto não eram
um “novo revisionismo” em relação ao período anterior, como desde cedo se
expressaram no programa do partido.
Os primeiros anos do
PCB foram marcados por uma grande heterogeneidade interna, fruto das origens de
muitos de seus militantes no anarquismo e também da ausência de um movimento marxista
prévio (diferentemente, portanto, de muitos países europeus que tiveram
partidos socialdemocratas revolucionários). Não tardou, entretanto, para se
consolidar um grupo dirigente já influenciado pelo stalinismo.
Data de 1924 o primeiro
documento de fôlego do PCB que buscou analisar a realidade brasileira e traçar
uma estratégia para os revolucionários. Agrarismo
e Industrialismo: Ensaio marxista-leninista sobre a revolta de São Paulo e a
guerra de classes no Brasil,
escrito por Octávio Brandão e endossado pelo então dirigente Astrogildo Pereira
continha uma lógica dualista totalmente estranha à dialética marxista, opondo
campo e cidade, “agrário” e “moderno”, para defender uma política de aliança
com setores supostamente “progressivos” da burguesia brasileira, junto aos
quais se promoveria a “revolução democrático-burguesa” no país. Com isso,
visava-se instalar um longo período de desenvolvimento capitalista que desse
cabo do “caráter feudal” da economia nacional, apenas ao fim do qual seria
então possível uma revolução de caráter socialista.
Tal documento, não obstante seu autor ter caído em desgraça dentro do
partido alguns anos depois por conta de picuinhas intraburocráticas, assentou
as bases para a estratégia etapista e a lógica dualista que marcaria
profundamente as posteriores lideranças do partido (mais afinadas com o
stalinismo propagado desde Moscou) e também uma série de intelectuais
brasileiros. Apesar
de seus ziguezagues, que acompanhavam as mudanças de linha da Comintern,
o PCB desde esse momento se pautou fundamentalmente por essa estratégia
etapista. Nem mesmo após o golpe de 1º de abril de 1964, que recebeu amplo
apoio político e logístico da burguesia industrial brasileira, o PCB abandonou
seu intento de fazer tal aliança, buscando negar a realidade que teimava em
confrontar seus esquemas teóricos vulgares.
Para a
intelectualidade crítica do país, levou cerca de quase quatro décadas para
romper definitivamente com o dualismo emanado pelas análises do PCB.
Entretanto, data de 1931 a crítica dos primeiros trotskistas a esse documento,
escrita por Mario Pedrosa e Lívio Xavier sob o título Esboço de uma análise da situação econômica e social do Brasil.
Ou seja, logo cedo o Partido Comunista foi tomado pela linha etapista, cada vez mais
alinhada com a política de colaboração de classes da Comintern de Stalin, e contra qual foram os trotskistas os
primeiras a se insurgirem – primeiro como “fração externa”, depois como
organização adversária. (Para mais acerca da história desses primeiros
trotskistas brasileiros e as transformações pelas quais passaram suas
organizações, ver a já mencionada introdução que escrevemos ao artigo do PSR
por nós recuperado).
Os maoístas consideram
acertada a política do PCB de impulsionar a Aliança Nacional Libertadora, e discordam
da “autocrítica” feita pelo partido nos anos seguintes. Mas a ANL que os
maoístas reivindicam tão ardentemente era uma frente ampla entre o PCB e intelectuais [e tenentistas],
que abertamente almejava angariar apoio da suposta burguesia nacional que seria
oposta ao latifúndio e ao imperialismo – e que, na realidade, nunca existiu.
Além do caráter extremamente prematuro da tentativa de tomada do poder, o programa que estes defendiam
sequer colocava a perspectiva de um poder da classe trabalhadora. O PCB
apresentava a ANL enquanto uma frente “antifascista” e “pró-democrática” capaz
de congregar os interesses da massa dos trabalhadores com “parte da burguesia
nacional não vendida ao imperialismo”:
“Esta é a tarefa gigantesca da Aliança
Nacional Libertadora, que [se] apresenta aos olhos de todo o Brasil, como a
única organização realmente nacional, única organização onde os verdadeiros
interesses do povo de cada Estado coincidem com os idênticos objetivos que
congregam, em todo o Brasil, de norte ao sul, de este a oeste, os lutadores
contra o imperialismo e os trabalhadores de todo o país, juntamente com a parte
da burguesia nacional, não vendida ao imperialismo, serão capazes de, através
de um governo popular revolucionário anti-imperialista, acabar com esse
regionalismo, com a desigualdade monstruosa que a dominação dos fazendeiros e
imperialistas impôs ao país.”
— Manifesto da Aliança Nacional Libertadora, 5 de julho de 1935.
Não à toa, seu
programa se limita a conclamar a “nacionalização dos serviços públicos mais
importantes” e apenas das empresas imperialistas “que não se subordinem às leis
do governo popular revolucionário” (com a participação da burguesia) – ou seja,
a propriedade privada dos meios de produção da burguesia nacional permaneceria
intacta. Conforme afirmaram à época os trotskistas brasileiros, muito mais
lúcidos do que os tardios críticos maoístas de AND:
“Pretender, ao contrário, como a Aliança
Nacional Libertadora, pretender lutar contra o imperialismo sem
lutar contra a burguesia nacional, pretender extinguir o imperialismo
no território nacional sem abolir a propriedade privada, sem transformá-la em
propriedade socialista, é caminhar para um fracasso certo ou, apenas, favorecer
o imperialismo de uma potência em detrimento de outras.”
— A luta contra o imperialismo. A Luta de Classe, n.
22, abril de 1935. Citado em “Os trotskistas frente à Aliança Nacional
Libertadora e aos levantes militares de 1935”, Cadernos AEL, v. 12, n.
22/23, de 2005.
Portanto, aquilo que
os maoístas de AND acusam tardiamente de “revisionismo moderno” na política
traidora do PCB do pós-guerra nada mais era do que um aprofundamento lógico à
direita das posições anteriores, de aliança com a classe dominante brasileira,
que estavam em consonância com o verdadeiro revisionismo: aquele propagado pela
vulgata que o stalinismo fizera do marxismo, defendendo uma estratégia etapista
e colaboracionista de classes.
Conclusão
O balanço realizado
pelos maoístas de AND, em consonância com aquele de tantos outros stalinistas supostamente
“antirrevisionistas”, não passa de uma leitura histórica falsificadora, que busca
esconder as políticas traiçoeiras de Stalin se utilizando do espantalho do
chamado “revisionismo moderno” para jogar toda a responsabilidade pelo
oportunismo do movimento comunista em Kruschev ou em capangas menores.
Enquanto é verdade
que Kruschev defendeu de forma mais descarada a “transição pacífica ao
socialismo”, demonstramos de forma clara que Stalin e seus asseclas desde
meados dos anos 1920 introduziram nos Partidos Comunistas as práticas de
contenção da luta de classes ao nível da “democracia” formal para manter aliança
com setores burgueses, nutriram ilusões na possibilidade de coexistência do
Estado operário degenerado soviético com o imperialismo por tempo indeterminado
(“socialismo em um só país”) e pregaram a colaboração com governos burgueses, vistos
como possíveis “aliados” do proletariado. Tais baluartes foram responsáveis
pela traição de muitas situações potencialmente revolucionárias (principalmente
na Revolução Espanhola, assim como na França, Itália e Grécia do pós-guerra),
tendo se mostrado muito úteis em impedir uma luta efetiva pela revolução
proletária. Essas posições não podem ser coerentemente combatidas e superadas sem
um rompimento e uma denúncia aberta do “grande organizador de derrotas” (como
Trotsky certa vez chamou Stalin).
Apesar de muitos
elementos da política de colaboração de classes se fazerem presentes em grupos
oportunistas que se reivindicam “trotskistas”, os Bolcheviques-Leninistas
autênticos sempre combateram a colaboração com o inimigo de classe do
proletariado. É a tradição da Quarta Internacional (antes de sua destruição
pelos revisionistas nos anos 1950) se opor
ao “colaboracionismo aberto com a burguesia” e à
ideia de que pode haver “alas progressivas” das burguesias nacionais. Diferente da degenerada tradição stalinista, a história do Bolchevismo-Leninismo
é marcada por uma profunda coerência revolucionária, que deve ser estudada e
absorvida por todos aqueles que tem interesse em um mundo radicalmente
diferente e na luta pelo comunismo.
***
APÊNDICE
Breve comentário sobre alguns herdeiros do stalinismo no
Brasil
O atual PCB foi refundado em 1992 como um
pequeno grupo, depois que um antigo dirigente do partido, Roberto Freire,
transformou a antiga estrutura na sigla eleitoral direitista PPS. O atual PCB
tem se afastado progressivamente de certos aspectos do seu passado stalinista.
No seu XI Congresso (1996), por exemplo, o partido finalmente colocou no papel
que o caráter da revolução brasileira é socialista,
e não democrático-burguesa, como defendeu por quase toda a sua existência, e
vem reiterando tal constatação de forma cada vez mais vigorosa a cada novo
congresso realizado, conforme pode ser visto lendo-se as respectivas resoluções
políticas (disponíveis no site da Fundação Dinarco Reis – http://pcb.org.br/fdr) – especialmente
aquelas adotadas pelo XIV Congresso (2009). O fato de essa constatação estar em
contradição com posições do partido de apoio a governos populistas burgueses,
como o venezuelano, é um assunto que pretendemos tratar em outra ocasião.
O interessante é que
o PCB atual ainda luta para produzir um balanço coerente acerca dos ziguezagues
do “Partidão” em seus 92 anos de existência. Muitas vezes, critica-se uma linha
passada errada, de caráter etapista e colaboracionista de classes, mas tende-se
a reduzir o erro à “incompetência política” do Comitê Central da época tratada,
e não ao programa stalinista propagado pela burocracia do Kremlin, que orientou
tal organização por muitas e muitas décadas. Exemplo recente é a “autocrítica”
em relação à posição do PCB ante o golpe de 1964, na qual se critica os erros
da direção do partido à época, sem estabelecer nenhuma relação política com a
orientação stalinista que seguia o “Partidão” (O PCB e o golpe de 1964, de 1
de abril de 2014. Disponível em http://goo.gl/FOQ53F).
O PCdoB, por ter adotado de vez o caminho
da sustentação do capitalismo, obviamente não está nem um pouco preocupado em
buscar defender algum passado supostamente “marxista-leninista” do PCB. Seus
parlamentares atualmente estão envolvidos em negociatas com o que há de mais
podre da burguesia brasileira e o partido se dedica diretamente à administração
do Estado, tendo levado às últimas consequências a lógica colaboracionista de
classes e a aliança com a burguesia.
Já o atual PCR, até onde sabemos, não possui um balanço histórico mais elaborado
sobre a história do PCB (ao menos público). Mas ele se coloca como herdeiro da
ruptura “antirrevisionista” de 1962, capitaneada por militantes como João
Amazonas, Pedro Pomar e Maurício Grabois, que levou à fundação do PCdoB. Mais
importante, se entende enquanto a continuação do PCR fundado em 1966, a partir
de uma ruptura o PCdoB liderada por Manoel Lisboa com base em críticas ao
regime e à política do PCdoB e da defesa de que o centro da revolução brasileira
estava no Nordeste.
O antigo PCR acabou
sendo desarticulado pela repressão estatal no início dos anos 1970. O grupo
atual que reivindica seu nome e sua história surgiu em 1995, como cisão do
nacionalista Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e, apesar de
raramente discutir questões ideológicas mais profundas, reivindica também o
período pré-1958 do PCB, quando começam a ecoar no partido as posições adotadas
pelo XX Congresso do PCUS. Também defendem o alinhamento com o PC Chinês nesse
período, mas depois da chegada de Deng Xiaoping ao poder na República Popular
da China, passaram a reivindicar a linha do Partido do Trabalho da Albânia,
liderado por Enver Hoxha. Para uma polêmica com a linha geral de tal
organização, sugerimos a leitura do relato do camarada Pedro Abreu (Da
experiência com o Estalinismo à escolha pelo Trotskismo, de novembro de
2013. Disponível em http://goo.gl/sDCaGD).
Por sua vez, os
maoístas de AND também reivindicam, ainda que criticamente, a ruptura que levou
à fundação do PCdoB em 1962 e do antigo PCR. Também se originaram na mesma
ruptura com o MR-8 na década de 1990. Entretanto, enquanto que o atual PCR
seguiu a orientação de Hoxha, os maoístas de AND se pautam pelas formulações da
“Fração Vermelha” do Partido Comunista do Peru (o grupo “Sendero Luminoso”) na
figura de seu líder histórico, “Presidente Gonzalo”. Este teria sido
responsável por sintetizar os supostos “gigantescos aportes do Presidente Mao
como maoísmo, como nova, terceira e superior etapa do desenvolvimento do
marxismo”, dando origem ao que chamam esdruxulamente de
“marxismo-leninismo-maoísmo-Pensamento Gonzalo” (120 anos do nascimento do
Presidente Mao Tse-tung, Núcleo de
Estudos do Marxismo-leninismo-maoísmo, AND N. 124, de janeiro de
2014).