Minha trajetória política no movimento
estudantil não é das mais usuais. Iniciei a minha militância no final de 2010,
me aproximando do stalinista Partido Comunista Revolucionário (PCR), do qual permaneci
próximo, em sua periferia política. Ajudei
inclusive a construir sua frente
estudantil na UFRJ, o Movimento
Correnteza, e participei do seu bloco no Congresso Nacional de Entidades de
Base da UNE (CONEB) em 2011, com a tese “Rebele-se na UNE”. Apesar dessa
proximidade, nunca ingressei formalmente nas fileiras desse partido, apesar de ter participado por um tempo de uma série de reuniões internas da sua
juventude, a União da Juventude Rebelião (UJR). Por dois anos militei ao redor
desse grupo, até que o meu amadurecimento político me obrigou a um
distanciamento.
Hoje, já distante do grupo, posso
analisar com calma suas traições ao marxismo-leninismo. Este ano, por exemplo,
tivemos mais um congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) e o PCR, um
dos principais componentes da Oposição de Esquerda da entidade, voltou a falar
em suas publicações da crescente insatisfação dos jovens com a direção
majoritária (composta por grupos aliados do governo e liderados pela UJS/PCdoB)
e a busca pelo novo, claramente apresentando a si próprio como uma alternativa
aos governistas.
O PCR
tenta convencer a juventude brasileira de que a UNE passará por uma
mudança qualitativa se esse partido obter a maioria da sua direção. Porém, por trás de todas as palavras
de ordem combativas, e de uma fachada revolucionária, esse partido apoia eleitoralmente muitos
dos mesmos governantes que o PCdoB apoia. Exemplos disso não são difíceis de
encontrar: basta voltarmos à ultima eleição presidencial, em 2010, quando o PCR
apoiou a candidatura de Dilma Rousseff afirmando em um panfleto distribuído nas
ruas pelos seus militantes que “o voto em
Dilma é o voto contra a direita”. Mais escandaloso foi o chamado: “Vote em quem luta com os trabalhadores. Vote Dilma 13!” [1]
Qualquer dirigente do PCR
falará ainda hoje que esse apoio se justifica para impedir a oposição de direita de retornar ao poder, mas claro: omitem o fato de
que apoiar a candidatura do PT era
apoiar todos os partidos que estavam naquela coligação, entre eles o PMDB de
Sarney, o PP de Maluf, o PR de Crivella, entre
outros partidos reacionários, que incluíam em suas legendas desde filhotes da
Ditadura Militar até líderes religiosos, passando também por caudilhos
remanescentes do coronelismo. Também se deve lembrar que, ao se
fazer essa dicotomia de “apoiar a esquerda para impedir o retorno da direita”,
esquece-se do caráter de classe das candidaturas, o que leva a juventude e a
classe trabalhadora à conclusão errada de que pode existir algum setor burguês
“de esquerda” ou “progressista”. E como os companheiros do PCR adoram se
declarar marxistas-leninistas, gostaria de apresentar uma citação de Lenin
sobre qual deve ser a posição dos revolucionários sobre as coalizões e partidos
burgueses:
“Nós falamos e nós provamos que todos os partidos burgueses, todos os partidos salvo o Partido Revolucionário da classe trabalhadora, são mentirosos e hipócritas quando falam de reformas. Nós tentamos ajudar o proletariado a ganhar até a menor melhoria concreta possível (econômica ou política) para a sua situação material, sempre pontuando que nenhuma reforma pode ser durável, sincera ou séria se não for apoiada nos métodos revolucionários da luta de massa...” (minha ênfase) [2]
Mas ao invés de se
apoiar nos “métodos revolucionários da luta de massa”, o PCR insiste em escolher
dentre os “mentirosos e hipócritas” da burguesia na esperança de que isso irá
frear a reação da direita ou possibilitar reformas.
Voltando à afirmação do PCR:
será que é verdade que Dilma “luta com os trabalhadores”? Ano passado, durante
as greves das universidades federais, longe de lutar com os trabalhadores, o
governo do PT fez todo o possível para destruir a greve, ameaçando cortar ponto
dos grevistas e se recusando a negociar com o movimento até o último momento.
Se pensarmos no levante de massas que vimos em junho e julho desse ano, o que
fez o governo do PT para atender às demandas da classe trabalhadora? Nada além
de promessas vazias de reforma política, que mais serviram para tentar desviar
o foco da população das ruas para a via parlamentar. Além disso, a direção
nacional do PT reforçou o seu apoio a Sérgio Cabral, governador do Rio de
Janeiro e responsável por mais de 37 mil remoções de famílias trabalhadoras.
Através do estudo, compreendi
que um dos pontos essenciais do legado do trotskismo era o seu combate às
alianças e apoios do estalinismo com relação à burguesia, desde as chamadas
“frentes populares” nos anos trinta até hoje.
... e também na Universidade
Longe de ser um caso isolado,
essa política de adequação se mostra rotineira na política do PCR. Ainda na
periferia política desse grupo, experimentei isso pessoalmente pela primeira
vez em 2011, nas eleições para Reitor da UFRJ, quando, sem em nenhum momento
consultar a sua base, o Movimento
Correnteza declarou apoio à candidatura pró-governo de Carlos Antônio Levi,
apoiada também pelo antigo reitor, Aloísio Teixeira (responsável pela aplicação do REUNI na UFRJ).
O raciocínio desse apoio era
evitar a eleição de uma chapa associada à oposição de direita. O PCR sabia desde aquele momento que Levi continuaria com o programa de
conciliação com o Governo
Federal e suas medidas privatizantes da Universidade e, uma vez eleito, o novo
reitor fez de tudo para cumprir esse papel, com destaque especial para a
tentativa de privatização do Hospital Universitário através da Empresa
Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). Mesmo após esse e outros casos
onde essa reitoria foi contra os interesses dos estudantes e da juventude
trabalhadora, o Movimento Correnteza
nunca voltou atrás publicamente no seu apoio a ela.
Uma mudança qualitativa da UNE
só seria possível com uma mudança similar na consciência dos estudantes e para
isso é necessária uma liderança revolucionária, que seja capaz de mobilizar a
juventude com um programa capaz de derrotar o capitalismo. Longe disso, o PCR representa
uma liderança que, apesar de um discurso de esquerda, invariavelmente capitula
ao “menor dos males” que aparece dentro do parlamento burguês. Uma liderança
que, ao invés de acreditar na força da sua base, se limita ao vê-la como forma
de alcançar novos cargos de direção. Aos tantos companheiros honestos que hoje
lutam para fazer valer o programa da Tese “Rebele-se”, faço o seguinte
questionamento: vale a pena sacrificar a sua juventude para colocar na
liderança da UNE uma organização que vai continuar dando apoio eleitoral aos
governos e reitorias que todos os dias massacram jovens como vocês?
Encontro-me hoje convencido de
que a juventude precisa de uma organização capaz de liderar suas lutas, uma organização para a qual “revolucionário” não se limite a uma
letra “R” na sigla. Por
isso saí do Movimento Correnteza, por
isso hoje não participo do bloco “Rebele-se na UNE”. Minha formação política me
levou a entender a importância do programa revolucionário e à clareza de que o
PCR não possui esse programa.
A “teoria” que embasa o PCR
Central para a história e o
programa do PCR é Enver
Hoxha, que era a figura central do
antigo governo estalinista na Albânia, que rompeu com a União Soviética depois
que Kruschev chegou ao poder em 1956. O PCR considera Hoxha como um símbolo de
“ardor revolucionário em defesa do marxismo-leninismo” [3]. Ao
mesmo tempo, os militantes da UJR adotam como símbolo a figura de Che Guevara, a quem o Jornal
A Verdade chamou de “símbolo do
guerrilheiro heroico” [4], e comemoram a resistência do “Socialismo” na ilha
caribenha, exaltando a liderança de Fidel Castro como um “líder
revolucionário”. Qual o problema disso? Bem, Hoxha não apenas repudiava o
governo da URSS (considerado “revisionista” após a morte de Stalin), mas tinha
também uma opinião diferente da do PCR sobre os líderes cubanos. Ele escreve em
seu livro “Imperialismo e a Revolução” (de 1978):
“Em sua intervenção, a União Soviética arrasta também seus aliados, ou melhor, seus satélites. Nós o constatamos concretamente na África, onde os social-imperialistas soviéticos e seus mercenários cubanos interferem a pretexto de ajudar a revolução. Trata-se de uma mentira. Sua intervenção não passa de uma ação colonialista objetivando ocupar mercados e submeter povos.”“É o caso da intervenção da União Soviética e dos mercenários cubanos em Angola. Eles absolutamente não tinham nem tem em vista ajudar a revolução angolana, mas sim cravar suas unhas nesse país africano que havia conquistado certa independência após expulsar os colonialistas portugueses. Os mercenários cubanos são o exército colonial que a União Soviética enviou para conquistar mercados e posições estratégicas nos países da África Negra, para passar de Angola a outros Estados, para que os social-imperialistas soviéticos também possam criar um império colonial moderno.”“Sob a máscara da ajuda à libertação dos povos, a União Soviética e seu mercenário, Cuba, intervêm em outros países com exércitos equipados com canhões e metralhadoras, supostamente para construir o socialismo, que não existe nem na própria União Soviética nem em Cuba. Esses dois Estados burguês-revisionistas entraram em Angola para ajudar uma camarilha capitalista a tomar o poder, contrariamente aos objetivos do povo angolano, que lutou para libertar-se dos colonialistas portugueses.” (minha ênfase) [5]
É um mistério para mim como
pode o PCR continuar reivindicando o líder albanês e continuar defendendo os
castristas cubanos, e que Cuba é “Socialista”, visto que Hoxha, a quem dizem
seguir, considerava Cuba um país “burguês-revisionista”. Se não existe problema
nenhum nisso, significa que para os redatores do Jornal A Verdade, Castro ser um “mercenário de um exército
colonial” não é um impedimento para ser um “líder revolucionário”. Pior que
essa contradição em si, é o fato que observei durante o período que passei na
periferia desse partido: essas questões teóricas simplesmente não são
conhecidas pela imensa maioria da militância do próprio partido!
Por sinal, apesar de que Cuba nunca
foi “socialista”, e nem os castristas são revolucionários, era fundamental
defender militarmente os soviéticos e cubanos em Angola contra os
imperialistas. Essa posição vergonhosa de Hoxha (ignorada pelos militantes do
PCR) é uma capitulação ao imperialismo. Ela também desmente a ideia de que o
regime da Albânia era um contraponto principista à política externa pró-imperialista
dos burocratas chineses com os quais Hoxha rompeu.
Defender Cuba contra o imperialismo e contra a
burocracia
Qual
seria a posição dos revolucionários sobre Cuba, ou mesmo sobre o antigo regime
na Albânia? Em ambos os países ocorreram revoluções que expropriaram a
burguesia, mas onde a classe operária foi isolada do controle do estado por uma
burocracia estalinista. Essas revoluções foram realizadas não pela classe
trabalhadora e sim por exércitos rurais da pequena-burguesia que, incapazes de
criar um estado próprio e forçados pela conjuntura, criaram um Estado operário
deformado que foi capitalizado por burocratas.
A contrarrevolução capitalista
triunfou na Albânia no começo dos anos 1990, mas em Cuba a burguesia ainda não foi capaz de restaurar
o capitalismo pela derrubada do Estado operário deformado. A burocracia cubana deforma
a economia socializada da ilha, pondo-a em risco. Vimos isso claramente na demissão
de meio milhão de trabalhadores públicos no início de 2011. Essa demissão em
massa foi feita para “dinamizar” a economia, abandonando setores menos
rentáveis para os interesses dos burocratas. Mas desamparou muitos proletários,
e outros tinham que se empregar em trabalhos por conta própria ou nos
estabelecimentos privados que penetram no país. Os castristas também elogiam e
apoiam a todo tipo de governos burgueses pelo mundo, inclusive o governo
brasileiro. Isso impede que as conquistas e o prestígio da revolução cubana
possam ser usados para a revolução internacionalmente. E o regime de partido
único e congressos controlados de antemão pela mesma cúpula rouba dos
trabalhadores o poder de criar uma democracia proletária forte e eficaz. Assim,
os burocratas do PC preparam o terreno para a perda das conquistas da revolução. [6]
A
tarefa dos revolucionários para Cuba, portanto, é lutar pela derrubada da
burocracia pela classe operária, mas ao mesmo tempo, deve-se defender o Estado
operário deformado de ataques do imperialismo ou tentativas de restauração
capitalista – não por acreditar, como faz o PCR, na liderança cubana, e sim
para defender as conquistas da classe trabalhadora, que seguem existindo. Os
revolucionários querem que a burocracia caia, mas pelas mãos dos trabalhadores
cubanos e não pela burguesia de Miami. Após ler clássicos de Trotsky, como “A
Revolução Traída”, além de outros materiais [7], adotei uma política revolucionária para os Estados operários
deformados que ainda existem.
Conclusão
Enquanto
militante do movimento estudantil, não me importei por um tempo com essas questões
teóricas. Porém, conforme avancei na minha formação marxista me convenci da
necessidade de uma organização que propusesse a construção de um partido
revolucionário com um programa coerente. Também estava convencido de que o
estalinismo não só existia (diferentemente do que o PCR insiste em repetir [8]), mas também que nada mais era que uma degeneração do
marxismo-leninismo, o qual foi defendido e continuado por Leon Trotsky. Mas ao
olhar para a maior organização que se reivindica trotskista no Brasil, o
Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), vi um partido que
cometia inúmeras traições à classe operária, como se recusar a defender Cuba contra
o imperialismo (apoiando inclusive a jornalista pró-ianque Yoani Sanchez),
defender os fantoches do imperialismo na Líbia e fazer uma frente eleitoral com
o PCdoB em Belém [9]. Por sorte, vim a encontrar em uma pequena
organização de propaganda o programa revolucionário que eu tanto buscava: essa
organização é o Reagrupamento
Revolucionário (RR).
Hoje, como militante do RR, integro a luta pela construção do Partido
Revolucionário, ainda inexistente, porém tão necessário hoje como fora nos
tempos de Lenin.
Notas
[1] Retirado de panfleto distribuído pelo PCR durante a campanha de Dilma
Rousseff à Presidência da República do Brasil em 2010 – https://archive.org/download/VoteDilma/voteDilma.jpg
[2] Retirado de http://www.marxists.org/archive/lenin/works/1915/nov/09.htm. A tradução para o português foi feita por mim.
[3] Esse apoio é visível no texto “ENVER HODJA: Ardor Revolucionário em Defesa do Marxismo-Leninismo” disponível no site do PCR – http://pcrbrasil.org/enver-hodja/
[4] Extraído do jornal do PCR, A Verdade - “Che e Fidel: uma amizade revolucionária” –
[5] Extraído de “O Imperialismo e a Revolução” postado no Marxist Internet
Archive –
[6] Para mais informações sobre Cuba sugiro a leitura dos seguintes
documentos:
Sugiro também a leitura
do seguinte documento sobre a Coreia do Norte, que assim como Cuba também é um
estado operário deformado que sobreviveu à queda da URSS:
[7] Especialmente o
artigo do Reagrupamento Revolucionário sobre a Coréia do Norte, citado na nota
acima, foi muito importante no meu convencimento de um programa consistente
para essa questão.
[8] Os dirigentes do PCR com quem tive contato afirmam que não existe
Estalinismo, assim como as variantes que reivindicam, como o Castrismo ou o
Hoxismo também não existem. Para esse partido, após Lenin não existiu nenhum
outro teórico que fez qualquer contribuição nova para o Marxismo, existindo
apenas aqueles que, segundo o PCR, são “discípulos fiéis de Lenin” e “aqueles
que distorcem o Marxismo-Leninismo”.
[9] Para aqueles que desejam saber mais sobre essas posições oportunistas,
sugiro os seguintes textos:
As Ações do PSTU em Comparação às Tarefas da IV
Internacional –
PSTU, Fração Trotskista e a Defesa da Líbia contra o
Imperialismo –
A Frente de Belém (PSOL-PSTU-PCdoB) na Lógica do
Morenismo –
Nosso arquivo histórico
sobre o morenismo (corrente reivindicada pelo PSTU e considerada como centrista
pelo RR) –