25.11.13

Da experiência com o Estalinismo à escolha pelo Trotskismo

Da experiência com o Estalinismo à escolha pelo Trotskismo 

Pedro Abreu, novembro de 2013

Minha trajetória política no movimento estudantil não é das mais usuais. Iniciei a minha militância no final de 2010, me aproximando do stalinista Partido Comunista Revolucionário (PCR), do qual permaneci próximo, em sua periferia política. Ajudei inclusive a construir sua frente estudantil na UFRJ, o Movimento Correnteza, e participei do seu bloco no Congresso Nacional de Entidades de Base da UNE (CONEB) em 2011, com a tese “Rebele-se na UNE”. Apesar dessa proximidade, nunca ingressei formalmente nas fileiras desse partido, apesar de ter participado por um tempo de uma série de reuniões internas da sua juventude, a União da Juventude Rebelião (UJR). Por dois anos militei ao redor desse grupo, até que o meu amadurecimento político me obrigou a um distanciamento.

Apoiando os mentirosos da burguesia nas eleições...

Hoje, já distante do grupo, posso analisar com calma suas traições ao marxismo-leninismo. Este ano, por exemplo, tivemos mais um congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) e o PCR, um dos principais componentes da Oposição de Esquerda da entidade, voltou a falar em suas publicações da crescente insatisfação dos jovens com a direção majoritária (composta por grupos aliados do governo e liderados pela UJS/PCdoB) e a busca pelo novo, claramente apresentando a si próprio como uma alternativa aos governistas.

O PCR tenta convencer a juventude brasileira de que a UNE passará por uma mudança qualitativa se esse partido obter a maioria da sua direção. Porém, por trás de todas as palavras de ordem combativas, e de uma fachada revolucionária, esse partido apoia eleitoralmente muitos dos mesmos governantes que o PCdoB apoia. Exemplos disso não são difíceis de encontrar: basta voltarmos à ultima eleição presidencial, em 2010, quando o PCR apoiou a candidatura de Dilma Rousseff afirmando em um panfleto distribuído nas ruas pelos seus militantes que “o voto em Dilma é o voto contra a direita”. Mais escandaloso foi o chamado: “Vote em quem luta com os trabalhadores. Vote Dilma 13!” [1]
Qualquer dirigente do PCR falará ainda hoje que esse apoio se justifica para impedir a oposição de direita de retornar ao poder, mas claro: omitem o fato de que apoiar a candidatura do PT era apoiar todos os partidos que estavam naquela coligação, entre eles o PMDB de Sarney, o PP de Maluf, o PR de Crivella, entre outros partidos reacionários, que incluíam em suas legendas desde filhotes da Ditadura Militar até líderes religiosos, passando também por caudilhos remanescentes do coronelismo. Também se deve lembrar que, ao se fazer essa dicotomia de “apoiar a esquerda para impedir o retorno da direita”, esquece-se do caráter de classe das candidaturas, o que leva a juventude e a classe trabalhadora à conclusão errada de que pode existir algum setor burguês “de esquerda” ou “progressista”. E como os companheiros do PCR adoram se declarar marxistas-leninistas, gostaria de apresentar uma citação de Lenin sobre qual deve ser a posição dos revolucionários sobre as coalizões e partidos burgueses:

Nós falamos e nós provamos que todos os partidos burgueses, todos os partidos salvo o Partido Revolucionário da classe trabalhadora, são mentirosos e hipócritas quando falam de reformas. Nós tentamos ajudar o proletariado a ganhar até a menor melhoria concreta possível (econômica ou política) para a sua situação material, sempre pontuando que nenhuma reforma pode ser durável, sincera ou séria se não for apoiada nos métodos revolucionários da luta de massa...” (minha ênfase) [2]

Mas ao invés de se apoiar nos “métodos revolucionários da luta de massa”, o PCR insiste em escolher dentre os “mentirosos e hipócritas” da burguesia na esperança de que isso irá frear a reação da direita ou possibilitar reformas.

Voltando à afirmação do PCR: será que é verdade que Dilma “luta com os trabalhadores”? Ano passado, durante as greves das universidades federais, longe de lutar com os trabalhadores, o governo do PT fez todo o possível para destruir a greve, ameaçando cortar ponto dos grevistas e se recusando a negociar com o movimento até o último momento. Se pensarmos no levante de massas que vimos em junho e julho desse ano, o que fez o governo do PT para atender às demandas da classe trabalhadora? Nada além de promessas vazias de reforma política, que mais serviram para tentar desviar o foco da população das ruas para a via parlamentar. Além disso, a direção nacional do PT reforçou o seu apoio a Sérgio Cabral, governador do Rio de Janeiro e responsável por mais de 37 mil remoções de famílias trabalhadoras.

Através do estudo, compreendi que um dos pontos essenciais do legado do trotskismo era o seu combate às alianças e apoios do estalinismo com relação à burguesia, desde as chamadas “frentes populares” nos anos trinta até hoje.

... e também na Universidade

Longe de ser um caso isolado, essa política de adequação se mostra rotineira na política do PCR. Ainda na periferia política desse grupo, experimentei isso pessoalmente pela primeira vez em 2011, nas eleições para Reitor da UFRJ, quando, sem em nenhum momento consultar a sua base, o Movimento Correnteza declarou apoio à candidatura pró-governo de Carlos Antônio Levi, apoiada também pelo antigo reitor, Aloísio Teixeira (responsável pela aplicação do REUNI na UFRJ).

O raciocínio desse apoio era evitar a eleição de uma chapa associada à oposição de direita. O PCR sabia desde aquele momento que Levi continuaria com o programa de conciliação com o Governo Federal e suas medidas privatizantes da Universidade e, uma vez eleito, o novo reitor fez de tudo para cumprir esse papel, com destaque especial para a tentativa de privatização do Hospital Universitário através da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). Mesmo após esse e outros casos onde essa reitoria foi contra os interesses dos estudantes e da juventude trabalhadora, o Movimento Correnteza nunca voltou atrás publicamente no seu apoio a ela.

Uma mudança qualitativa da UNE só seria possível com uma mudança similar na consciência dos estudantes e para isso é necessária uma liderança revolucionária, que seja capaz de mobilizar a juventude com um programa capaz de derrotar o capitalismo. Longe disso, o PCR representa uma liderança que, apesar de um discurso de esquerda, invariavelmente capitula ao “menor dos males” que aparece dentro do parlamento burguês. Uma liderança que, ao invés de acreditar na força da sua base, se limita ao vê-la como forma de alcançar novos cargos de direção. Aos tantos companheiros honestos que hoje lutam para fazer valer o programa da Tese “Rebele-se”, faço o seguinte questionamento: vale a pena sacrificar a sua juventude para colocar na liderança da UNE uma organização que vai continuar dando apoio eleitoral aos governos e reitorias que todos os dias massacram jovens como vocês?

Encontro-me hoje convencido de que a juventude precisa de uma organização capaz de liderar suas lutas, uma organização para a qual “revolucionário” não se limite a uma letra “R” na sigla. Por isso saí do Movimento Correnteza, por isso hoje não participo do bloco “Rebele-se na UNE”. Minha formação política me levou a entender a importância do programa revolucionário e à clareza de que o PCR não possui esse programa.

A “teoria” que embasa o PCR

Central para a história e o programa do PCR é Enver Hoxha, que era a figura central do antigo governo estalinista na Albânia, que rompeu com a União Soviética depois que Kruschev chegou ao poder em 1956. O PCR considera Hoxha como um símbolo de “ardor revolucionário em defesa do marxismo-leninismo” [3]. Ao mesmo tempo, os militantes da UJR adotam como símbolo a figura de Che Guevara, a quem o Jornal A Verdade chamou de “símbolo do guerrilheiro heroico” [4], e comemoram a resistência do “Socialismo” na ilha caribenha, exaltando a liderança de Fidel Castro como um “líder revolucionário”. Qual o problema disso? Bem, Hoxha não apenas repudiava o governo da URSS (considerado “revisionista” após a morte de Stalin), mas tinha também uma opinião diferente da do PCR sobre os líderes cubanos. Ele escreve em seu livro “Imperialismo e a Revolução” (de 1978):

“Em sua intervenção, a União Soviética arrasta também seus aliados, ou melhor, seus satélites. Nós o constatamos concretamente na África, onde os social-imperialistas soviéticos e seus mercenários cubanos interferem a pretexto de ajudar a revolução. Trata-se de uma mentira. Sua intervenção não passa de uma ação colonialista objetivando ocupar mercados e submeter povos.”

“É o caso da intervenção da União Soviética e dos mercenários cubanos em Angola. Eles absolutamente não tinham nem tem em vista ajudar a revolução angolana, mas sim cravar suas unhas nesse país africano que havia conquistado certa independência após expulsar os colonialistas portugueses. Os mercenários cubanos são o exército colonial que a União Soviética enviou para conquistar mercados e posições estratégicas nos países da África Negra, para passar de Angola a outros Estados, para que os social-imperialistas soviéticos também possam criar um império colonial moderno.”

“Sob a máscara da ajuda à libertação dos povos, a União Soviética e seu mercenário, Cuba, intervêm em outros países com exércitos equipados com canhões e metralhadoras, supostamente para construir o socialismo, que não existe nem na própria União Soviética nem em Cuba. Esses dois Estados burguês-revisionistas entraram em Angola para ajudar uma camarilha capitalista a tomar o poder, contrariamente aos objetivos do povo angolano, que lutou para libertar-se dos colonialistas portugueses.” (minha ênfase) [5]

É um mistério para mim como pode o PCR continuar reivindicando o líder albanês e continuar defendendo os castristas cubanos, e que Cuba é “Socialista”, visto que Hoxha, a quem dizem seguir, considerava Cuba um país “burguês-revisionista”. Se não existe problema nenhum nisso, significa que para os redatores do Jornal A Verdade, Castro ser um “mercenário de um exército colonial” não é um impedimento para ser um “líder revolucionário”. Pior que essa contradição em si, é o fato que observei durante o período que passei na periferia desse partido: essas questões teóricas simplesmente não são conhecidas pela imensa maioria da militância do próprio partido!

Por sinal, apesar de que Cuba nunca foi “socialista”, e nem os castristas são revolucionários, era fundamental defender militarmente os soviéticos e cubanos em Angola contra os imperialistas. Essa posição vergonhosa de Hoxha (ignorada pelos militantes do PCR) é uma capitulação ao imperialismo. Ela também desmente a ideia de que o regime da Albânia era um contraponto principista à política externa pró-imperialista dos burocratas chineses com os quais Hoxha rompeu.

Defender Cuba contra o imperialismo e contra a burocracia

Qual seria a posição dos revolucionários sobre Cuba, ou mesmo sobre o antigo regime na Albânia? Em ambos os países ocorreram revoluções que expropriaram a burguesia, mas onde a classe operária foi isolada do controle do estado por uma burocracia estalinista. Essas revoluções foram realizadas não pela classe trabalhadora e sim por exércitos rurais da pequena-burguesia que, incapazes de criar um estado próprio e forçados pela conjuntura, criaram um Estado operário deformado que foi capitalizado por burocratas.

A contrarrevolução capitalista triunfou na Albânia no começo dos anos 1990, mas em Cuba a burguesia ainda não foi capaz de restaurar o capitalismo pela derrubada do Estado operário deformado. A burocracia cubana deforma a economia socializada da ilha, pondo-a em risco. Vimos isso claramente na demissão de meio milhão de trabalhadores públicos no início de 2011. Essa demissão em massa foi feita para “dinamizar” a economia, abandonando setores menos rentáveis para os interesses dos burocratas. Mas desamparou muitos proletários, e outros tinham que se empregar em trabalhos por conta própria ou nos estabelecimentos privados que penetram no país. Os castristas também elogiam e apoiam a todo tipo de governos burgueses pelo mundo, inclusive o governo brasileiro. Isso impede que as conquistas e o prestígio da revolução cubana possam ser usados para a revolução internacionalmente. E o regime de partido único e congressos controlados de antemão pela mesma cúpula rouba dos trabalhadores o poder de criar uma democracia proletária forte e eficaz. Assim, os burocratas do PC preparam o terreno para a perda das conquistas da revolução. [6]

A tarefa dos revolucionários para Cuba, portanto, é lutar pela derrubada da burocracia pela classe operária, mas ao mesmo tempo, deve-se defender o Estado operário deformado de ataques do imperialismo ou tentativas de restauração capitalista – não por acreditar, como faz o PCR, na liderança cubana, e sim para defender as conquistas da classe trabalhadora, que seguem existindo. Os revolucionários querem que a burocracia caia, mas pelas mãos dos trabalhadores cubanos e não pela burguesia de Miami. Após ler clássicos de Trotsky, como “A Revolução Traída”, além de outros materiais [7], adotei uma política revolucionária para os Estados operários deformados que ainda existem.

Conclusão

Enquanto militante do movimento estudantil, não me importei por um tempo com essas questões teóricas. Porém, conforme avancei na minha formação marxista me convenci da necessidade de uma organização que propusesse a construção de um partido revolucionário com um programa coerente. Também estava convencido de que o estalinismo não só existia (diferentemente do que o PCR insiste em repetir [8]), mas também que nada mais era que uma degeneração do marxismo-leninismo, o qual foi defendido e continuado por Leon Trotsky. Mas ao olhar para a maior organização que se reivindica trotskista no Brasil, o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), vi um partido que cometia inúmeras traições à classe operária, como se recusar a defender Cuba contra o imperialismo (apoiando inclusive a jornalista pró-ianque Yoani Sanchez), defender os fantoches do imperialismo na Líbia e fazer uma frente eleitoral com o PCdoB em Belém [9]. Por sorte, vim a encontrar em uma pequena organização de propaganda o programa revolucionário que eu tanto buscava: essa organização é o Reagrupamento Revolucionário (RR). Hoje, como militante do RR, integro a luta pela construção do Partido Revolucionário, ainda inexistente, porém tão necessário hoje como fora nos tempos de Lenin.

Notas

[1] Retirado de panfleto distribuído pelo PCR durante a campanha de Dilma Rousseff à Presidência da República do Brasil em 2010 – https://archive.org/download/VoteDilma/voteDilma.jpg

[2] Retirado de http://www.marxists.org/archive/lenin/works/1915/nov/09.htm. A tradução para o português foi feita por mim.

[3] Esse apoio é visível no texto “ENVER HODJA: Ardor Revolucionário em Defesa do Marxismo-Leninismo” disponível no site do PCR – http://pcrbrasil.org/enver-hodja/

[4] Extraído do jornal do PCR, A Verdade - “Che e Fidel: uma amizade revolucionária”

[5] Extraído de “O Imperialismo e a Revolução” postado no Marxist Internet Archive –

[6] Para mais informações sobre Cuba sugiro a leitura dos seguintes documentos:
Sugiro também a leitura do seguinte documento sobre a Coreia do Norte, que assim como Cuba também é um estado operário deformado que sobreviveu à queda da URSS:

[7] Especialmente o artigo do Reagrupamento Revolucionário sobre a Coréia do Norte, citado na nota acima, foi muito importante no meu convencimento de um programa consistente para essa questão.

[8] Os dirigentes do PCR com quem tive contato afirmam que não existe Estalinismo, assim como as variantes que reivindicam, como o Castrismo ou o Hoxismo também não existem. Para esse partido, após Lenin não existiu nenhum outro teórico que fez qualquer contribuição nova para o Marxismo, existindo apenas aqueles que, segundo o PCR, são “discípulos fiéis de Lenin” e “aqueles que distorcem o Marxismo-Leninismo”.

[9] Para aqueles que desejam saber mais sobre essas posições oportunistas, sugiro os seguintes textos:

As Ações do PSTU em Comparação às Tarefas da IV Internacional –

PSTU, Fração Trotskista e a Defesa da Líbia contra o Imperialismo

A Frente de Belém (PSOL-PSTU-PCdoB) na Lógica do Morenismo –

Nosso arquivo histórico sobre o morenismo (corrente reivindicada pelo PSTU e considerada como centrista pelo RR) –