22.5.10

Bolívia e o "Terceiro Período Healyista"

Terceiro Período Healyista
Aprender a Ler, Aprender a Pensar

Este artigo foi originalmente publicado em Workers Vanguard No. 3 (jornal da então revolucionária Liga Espartaquista) em dezembro de 1971. A tradução para o português foi realizada pelo Reagrupamento Revolucionário em abril de 2013 a partir da versão disponível em http://anti-sep-tic.blogspot.com.br/2009/05/1971-dec-third-period-healyism.html

A SLL-WL [Socialist Labour League britânica – Workers League norte-americana], tentando usar como recurso fracional a desastrosa política do POR boliviano [Partido Obrero Revolucionario], adotou uma postura sectária que só obscurece e dissemina confusão na vista de quem esteja seriamente buscando entender as lições cruciais da derrota boliviana. Proeminente entre as acusações healyistas de traição de classe lançadas contra Guillermo Lora do POR boliviano estava esta de Wohlforth no seu Bulletin [jornal da Workers League] de 30 de agosto:

“Junto com os stalinistas, o POR apoiou a posição de ameaçar uma greve geral e ação militar em defesa de Torres!” (ênfase no original).

Tal é a concepção de Wohlforth de traição contra a classe trabalhadora. A interpretação mais caridosa é a de que o camarada Wohlforth foi terrivelmente pressionado pelo tempo de rodar as cópias do seu bombástico Bulletin semanal. Mais provavelmente, Wohlforth não sabia que estava rompendo com uma tática leninista básica para derrotar a contrarrevolução e realizar a revolução proletária. Em sua autoproclamada luta pela continuidade da Quarta Internacional, Wohlforth faria bem em restabelecer continuidade com as visões de Trotsky:

“O partido chegou ao levante de outubro ... através de uma série de estágios. Na época dos protestos de abril de 1917, um setor dos Bolcheviques levantou a palavra de ordem ‘Abaixo o Governo Provisório!’. O Comitê Central imediatamente corrigiu os ultraesquerdistas. É claro que nós deveríamos popularizar a necessidade de derrubar o Governo Provisório; mas chamar os trabalhadores às ruas sob essa palavra de ordem – isso não pode ser feito, já que nós próprios somos uma minoria da classe trabalhadora. Se nós derrubássemos o Governo Provisório sob essas condições, nós não seríamos capazes de tomar o seu lugar, e consequentemente nós ajudaríamos a contrarrevolução. Nós devemos pacientemente explicar às massas o caráter antipopular desse governo antes que a hora da sua queda tenha chegado. Tal foi a posição do partido ...

“Dois meses depois, Kornilov se levantou contra o Governo Provisório. Na luta contra Kornilov, os Bolcheviques ocuparam as posições da linha de frente. Lenin nesse momento estava escondido. Milhares de Bolcheviques estavam nas prisões. Os trabalhadores, os soldados, os marinheiros exigiam a libertação de seus líderes e dos Bolcheviques em geral. O Governo Provisório se recusou. Deveria o Comitê Central dos Bolcheviques ter feito um ultimato ao governo de Kerensky – liberte os Bolcheviques imediatamente e retire essa desgraçada acusação de serviço aos Hohenzollern – e, no caso da recusa de Kerensky, se recusarem a combater Kornilov? Assim provavelmente é como agiria o Comitê Central de Thaelmann-Remmele-Neumann. Mas não foi assim que agiu o Comitê Central dos Bolcheviques. Lenin escreveu na época: ‘Seria o mais profundo erro pensar que o proletariado revolucionário é capaz, por assim dizer, para «se vingar» dos SR e dos Mencheviques por seu apoio em esmagar os Bolcheviques, pelos assassinatos no front, e pelo desarmamento dos trabalhadores, de «se recusar» a apoiar aqueles contra a contrarrevolução. Tal forma de colocar a questão teria significado, acima de tudo, levar para o proletariado concepções de moralidade pequeno-burguesa (porque pelo bem da causa o proletariado sempre irá apoiar não apenas a pequeno-burguesia vacilante, mas também a grande burguesia); em segundo lugar – e este é o mais importante – teria sido uma tentativa pequeno-burguesa de «moralizar», de lançar uma sombra sobre a essência política da questão ...’ 

“É precisamente esse ‘moralismo pequeno-burguês’ que Thaelmann e companhia se embrenham quando, em justificativa para seu próprio giro, eles começam a enumerar as incontáveis infâmias cometidas pelos líderes da socialdemocracia.”

— “Contra o Nacional Comunismo”, impresso em A Luta Contra o Fascismo na Alemanha.

Wohlforth está contando – e não pela primeira vez – com a ignorância política de seus apoiadores. Ele espera que o seu próprio “moralismo pequeno-burguês”, ao catalogar os horrores dos regimes burgueses e os crimes dos reformistas que neles participam, vai encobrir a sua incapacidade de lidar com eles. A devastadora crítica de Trotsky às políticas dos stalinistas e ultraesquerdistas na Alemanha pré-Hitler, “conduzindo políticas com lanternas quebradas”, se aplica com igual precisão ao “trotskista” Wohlforth. Mais de A Luta Contra o Fascismo na Alemanha:

“Alguém poderia dizer: ‘Para os Bolcheviques, o kornilovismo começa com Kornilov. Mas Kerensky não é um kornilovista? Ele não está esmagando os camponeses por meio de expedições punitivas? Ele não organiza locautes? Lenin não teve que ficar clandestino? E devemos aturar tudo isso?’”.

“... Eu não consigo pensar em sequer um Bolchevique imprudente o suficiente para defender esses argumentos. Mas caso tivesse existido, ele receberia uma resposta mais ou menos nos seguintes termos. ‘Nós acusamos Kerensky de preparar e facilitar a chegada de Kornilov ao poder. Mas isso nos desobriga do dever de agir para repelir o ataque de Kornilov? Nós acusamos o porteiro de deixar o portão entreaberto para o bandido. Mas devemos então encolher nossos ombros e deixar o portão ser escancarado?’. Uma vez que, graças à tolerância da socialdemocracia, o governo de Bruening foi capaz de afundar o proletariado até os joelhos no pântano de sua capitulação ao fascismo, vocês chegam à conclusão de que joelhos, barriga ou cabeça atolados no pântano são todos a mesma coisa? Não, existe uma diferença. Quem estiver atolado de joelhos no pântano ainda pode se reerguer e sair. Quem estiver atolado até a cabeça, para este não existe volta.”

Para os mais espertos

Quanto ao “apoio crítico” reivindicado por Lenin, que deveria ser “da mesma forma com a qual uma corda sustenta um enforcado”, Wohlforth diz:

“Será necessário apontar que Lenin estava se referindo ao apoio a partidos socialdemocratas e não a governos burgueses e certamente não a ditadores militares?”

Correto, mas Lenin estava falando de apoio político, não defesa militar contra a contrarrevolução – que é o que está em questão na “ação militar em defesa de Torres” pela qual Wohlforth condena Lora. Leninistas defendem a política de lutar lado a lado com forças stalinistas, socialdemocratas e até mesmo burguesas contra levantes militares direitistas ou fascistas, enquanto mantém a completa independência do movimento da classe trabalhadora. Essa é a lição completa da questão Kornilov, e da política pela qual Trotsky lutou para salvar os trabalhadores alemães contra o nazismo. Mas Wohlforth aparentemente é incapaz de compreender a diferença entre uma política de defesa militar unificada com independência política e defesa militar com capitulação política a outras classes e a colaboracionistas de classe.

Além do mais, o reconhecimento por Wohlforth da política de Lenin de apoio político crítico a partidos reformistas da classe trabalhadora – que não está em questão no caso da defesa militar do regime burguês de Torres contra a direita – é peculiar em si próprio, já que Wohlforth (em amplo contraste com suas posições passadas) recentemente tem se destacado por recusar a entrar em ações políticas de frente única com stalinistas, particularmente maoístas. Os stalinistas são piores que os socialdemocratas, camarada Wohlforth? Se você afirmar que sim, você está de prontidão para cinicamente marcar pontos na luta fracional adotando um “método” contra o qual Trotsky lutou incessantemente: stalinofobia. A posição de Wohlforth contra qualquer ação comum com os stalinistas é sectarismo cego, o outro lado da moeda da capitulação do SU [Secretariado Unificado] a tais correntes, e é reminiscente da “teoria do social-fascismo” de Stalin, de acordo com a qual os comunistas foram ordenados a evitar qualquer ação comum com os socialdemocratas, que supostamente eram tão ruins quanto os nazistas. Quando os healyistas vão rotular abertamente a sua atual posição de “teoria do social-stalinismo” ou “healyismo do terceiro período”?

O POR deve, através de críticas impiedosas à sua própria história, e rompendo com o programa e a liderança centristas que levaram a derrotas em 1953 e 1971, descobrir a estrada leninista para o poder (confira “Desastre centrista na Bolívia”). Eles não podem esperar nenhuma ajuda dos healyistas, que proclamam sua ortodoxia leninista e “continuidade” para encobrir o seu oportunismo sem limites, sectarismo cego e ignorância.