12.1.13

Desmoronamento e enchentes no estado do Rio de Janeiro

O fenômeno é natural, a catástrofe é social 
Desmoronamento e enchentes no estado do Rio de Janeiro

Ante as chuvas que voltam a afetar drasticamente a população pobre do Rio de Janeiro, publicamos como parte de nosso Arquivo Histórico este artigo escrito por Rodolfo Kaleb e originalmente publicado no Hora de Lutar No.15 (abril de 2010), órgão do então revolucionário Coletivo Lenin.

No começo do mês de abril, fortes chuvas atingiram o estado do Rio de Janeiro. Na noite do dia 5 deste mês, caiu em apenas 12 horas o volume de água esperado para dois meses. Essa chuva causou uma catástrofe devido à ausência de uma infra-estrutura urbana planejada para atender às necessidades dos trabalhadores, mas feita para reduzir os custos dos patrões e do Estado.


Vários bairros da cidade sofreram com enchentes dos rios ou simplesmente inundações pluviais. Até agora foram registradas mais de 200 mortes em todo o estado do Rio e o número aumenta sem parar. Além dos mortos, cerca de 500 pessoas saíram feridas e mais de seis milhões foram afetados de alguma maneira. O número total de desabrigados (aqueles que tiveram que deixar suas casas e não tinham onde ficar) passou dos sete mil. O número de desalojados (os que tiveram que deixar suas casas, mas encontraram abrigo com amigos ou parentes) chegou aos vinte e cinco mil. Em um dos locais mais atingidos, o Morro do Bumba, em Niterói, cerca de 50 casas foram completamente destruídas por um desmoronamento na encosta.

Diante dessa situação, a resposta dos governos foi unânime: pôr a culpa da tragédia na chuva e nos trabalhadores pobres que, sem opção, vivem em locais de risco, como o Morro do Bumba. O Governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), expressou de maneira clara sua opinião: “Não é possível a construção irregular continuar. Se você pegar essas pessoas que morreram, quase todas estavam em áreas de risco”, disse ao prometer medidas duras contra as ocupações existentes. Para o Governador, é preciso ampliar as medidas de “limpeza” urbana como desocupação de favelas e o Choque de Ordem realizado pelo Prefeito da cidade do Rio, Eduardo Paes (também do PMDB). Uma opinião semelhante foi proferida por Lula quando voltava de sua viagem ao Rio.

A Catástrofe é programada socialmente pelos governos

A ocupação desordenada do espaço urbano e a falta de infra-estrutura necessária, tanto no dia-a-dia quanto para evitar esse tipo de tragédia, são situações socialmente programadas. No que diz respeito à ocupação de morros e encostas, obviamente não é uma ação baseada na imprudência, ou na irresponsabilidade ingênua. Ninguém mora em condições como essas porque quer! No Brasil, o déficit habitacional urbano ultrapassa sete milhões de moradias. Esse é o número de lares que seriam necessários para retirar pessoas das ruas, de locais de risco, de habitações sem infra-estrutura básica, condições impróprias e de locais onde o gasto com aluguel ultrapassa 30% da renda das famílias. 

Assim, todos os anos milhares de pessoas são forçadas a ocupar esses territórios devido ao desemprego, o aumento da miséria e, sobretudo, da exclusão da população mais pobre de áreas destinadas à especulação imobiliária (valorização de bairros luxuosos, expulsando trabalhadores mais pobres). Nas mais de mil favelas do Rio de Janeiro, já moram cerca de um milhão e trezentos mil pessoas, número de cresceu 22% na última década. Nos últimos oito anos, o número de favelas em Niterói cresceu 200%. Um exemplo de como a especulação imobiliária causa essas relações é que a prefeitura do Rio tem planos de realizar obras no Centro da cidade com o objetivo de construir um pólo turístico para as Olimpíadas, com hotéis de luxo e grandes empresas. Para fazer isso, Eduardo Paes pretende acabar com ocupações de prédios fora de uso, onde vivem trabalhadores sem-teto, moradias populares e de baixa renda, e pequenas empresas familiares. Isso vai ser feito seja através da força, com a repressão policial e jurídica aos sem-teto e camelôs, seja pelo aumento do custo de vida dos moradores do Centro. O Governador também já prometeu o despejo de moradores de inúmeras favelas até o ano de 2012. Dessa forma, haverá irremediavelmente uma debandada de milhares de trabalhadores que, sem outra opção para viver perto do Centro, onde fizeram sua vida e onde trabalham, irão ocupar novas áreas impróprias. 

O mesmo objetivo está por trás da política do Choque de Ordem: expulsar trabalhadores pobres das suas casas e dos seus locais de trabalho (no caso dos camelôs) para favorecer a especulação imobiliária. Esse é o interesse daqueles que realmente mandam na prefeitura e em todo o Estado, os donos das grandes empresas (inclusive as de turismo, imobiliárias e de construção civil) pouco se preocupando com os trabalhadores vitimados por tais ações. Não ouvimos falar em nenhuma passeata puxada pelo Governador ou pelo Prefeito para exigir que o dinheiro dos royalties do petróleo do Rio de Janeiro seja empregado em habitação e saneamento. Isso ocorre porque a gigantesca maioria dos recursos não é usada para trazer uma vida melhor aos trabalhadores, mas para aumentar o lucro dos empresários, ainda que a custa das vidas dos primeiros. 

Em Niterói a situação dos recursos públicos não é diferente. Muito se falou da incompetência da Prefeitura de Jorge Roberto da Silveira (PDT) para justificar a catástrofe no Morro do Bumba e em outras localidades. Essas críticas estão em parte corretas, mas não se trata de uma questão de incompetência, e sim dos interesses do Prefeito, que são perpetuar o funcionamento do sistema. Ao longo do ano de 2009, a prefeitura de Niterói gastou menos de 1% do seu orçamento com saneamento básico. Dos mais de dois milhões previstos para a área de habitação, foram gastos 2,8% (66 mil reais). Somente com as despesas da câmara legislativa, foram gastos três vezes mais. Como atesta a nota do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação de Niterói (SEPE/Niterói): “... a dimensão da disparidade entre a prioridade dada aos aliados políticos da Prefeitura, e os investimentos sérios nas áreas em que nossa população realmente precisa, é gigantesca”. 

A ciência permite, mas o capitalismo impede a solução!

Hoje em dia, a gigantesca maioria dos fenômenos naturais que ocorrem com frequência pode ser inofensiva à ocupação humana. O que é necessário é ter estrutura física preparada para resistir. Enchentes de rios são fenômenos que tem um papel natural importantíssimo, inclusive, na agricultura [em certas regiões do mundo], por que as terras inundadas nas margens se tornam extremamente férteis no período logo após a enchente. Nas cidades, basta existir uma estrutura de escoamento suficientemente grande para evitar que as enchentes causadas pelas chuvas alaguem bairros inteiros. O mesmo pode-se dizer sobre desmoronamentos. Não haveria razão para que pessoas construíssem casas em locais de risco quando se pode determinar com precisão a segurança das instalações. Somente um sistema segregacionista como o capitalismo obriga os trabalhadores a viver nessas condições. A ciência e a técnica nos permitem uma dominação sem precedentes sobre os efeitos danosos dos fenômenos naturais, mas as condições em que somos mantidos pelo capitalismo não conseguem resolver nossa situação. 

Mesmo quando falamos de terremotos, países como Japão têm modelos de construção anti-sísmica capazes de resistir até mesmo a tremores de nível médio para alto sem nenhum dano grave. Com a estrutura necessária, a tragédia no Haiti [seguida ao terremoto de 2010] poderia ter sido evitada quase por completo. A “ajuda internacional” do exército de invasão da ONU liderada pelo Brasil e agora pelos Estados Unidos, entretanto, parece nunca ter se preocupado com isso.

A verdade é que essas tropas cumprem no Haiti um papel semelhante ao que os Estados Unidos têm no Iraque e no Afeganistão: manter a ordem política e social que lhes interessa (ou seja, a ordem que permitirá à suas empresas realizar investimentos para explorar o trabalho do povo haitiano com um mínimo de direitos e condições de vida para gerar menos custos aos capitalistas). Por isso as tropas lutam contra os trabalhadores organizados em resistência ao golpe que derrubou a frente popular do país, do presidente Bertrand Aristide. Esse era um governo “populista”, como o de Lula, que permitia ao capital explorar sem piedade os trabalhadores haitianos, mas lhe dava algumas migalhas, acelerando um pouco a distribuição precária de terras aos camponeses e realizando medidas assistencialistas como o vale-roupa. Nem isso a direita haitiana, em aliança com os interesses do imperialismo americano, pôde aceitar pagar. E realizou um golpe, seguido de resistência popular, cujas tropas da ONU foram combater sob o slogan de “manter a paz e a ordem”. 

A origem social da falta de infra-estrutura

O problema central quando falamos da catástrofe causada por fenômenos naturais que sofremos ao longo dos anos é a condição social que permite a destruição e que direciona seus efeitos de forma desigual. Com isso queremos dizer que tragédias como a que atingiu o estado do Rio de Janeiro são questões sociais e que, portanto, têm caráter de classe. Como mostramos, já existe técnica suficiente para prevenir grande parte de catástrofes de origem natural. Essa técnica não é aplicada hoje, imediatamente, por interesses da classe dominante na sociedade capitalista: a burguesia, composta pelos patrões e banqueiros. 

Em todos os países capitalistas, os gastos com a infra-estrutura produtiva (transportes, energia, esgoto, escoamento, saúde, educação) são em grande parte financiados pelo Estado burguês. Ao contrário do que possa parecer, isso não é uma vantagem para os trabalhadores, mas uma forma de a burguesia (que necessita dessa infra-estrutura para a produção) dividir, com os trabalhadores o seu custo através dos impostos. Não estamos dizendo que não devemos lutar para que o Estado gaste mais com melhoria da saúde e da educação, pois isso interessa aos trabalhadores, mas sim que a origem social destes gastos é a incapacidade da burguesia de financiá-los por si própria. Ela faz isso para diminuir o gasto com o capital constante (a quantidade de dinheiro gasta obrigatoriamente na manutenção de máquinas, transportes e na vida dos trabalhadores) e aumentar o lucro. Portanto, é impossível resolver os problemas de infra-estrutura por completo sem que o modo de produção mude, acabando com o lucro e expropriando a burguesia, garantindo gastos maiores com as condições de vida dos trabalhadores. Ou seja, só é possível resolver o problema por completo no socialismo! 

O caráter de classe dessas catástrofes fica óbvio quando vemos que são sempre os trabalhadores aqueles os que mais sofrem com elas, sejam eles do Haiti, do Brasil, dos Estados Unidos ou de qualquer outro lugar do mundo. Muitas delas atingem posses materiais da burguesia, como empresas e portos. Isso causa um dano que é de imediato, maior aos trabalhadores, que ficam sem emprego e fonte de renda, do que aos patrões, que têm capital acumulado e podem “sobreviver” por muito mais tempo. E ainda mais porque os subsídios que o Estado normalmente oferece à reconstrução das empresas aos patrões que tiveram perdas são muito maiores que aos trabalhadores, que muitas vezes têm destruídas suas casas e que ficam sem empregos por longo período. 

Conclusão: a necessidade de destruir e superar o capitalismo

Por tudo o que dissemos, somos levados à conclusão de que a única solução real para o problema são obras estruturais de saneamento e construção de moradias nos centros urbanos até que todos possam viver em condições dignas e sem riscos. Um plano de obras como esse poderia, ao mesmo tempo em que resolve o perigo de nova destruição, diminuir o desemprego. São essas as demandas que os trabalhadores devem buscar através de seus sindicatos e centrais, organizações de moradores e de trabalhadores sem-teto. Devem todos estar juntos nessa luta e se valer de protestos e greves para buscar esse interesse comum. Caso isso aconteça, serão levados à conclusão, cedo ou tarde, da incapacidade do Estado burguês e do capitalismo brasileiro de resolver tal problema. Apenas um governo direto dos trabalhadores, comandado por assembléias, poderá direcionar a riqueza produzida nas empresas para a construção das sete milhões de moradias urbanas que os trabalhadores brasileiros precisam, além de realizar as obras de infra-estrutura para impedir novas situações trágicas como a que vivemos este mês. 

Diversos sindicatos, organizações estudantis e associações de moradores convocaram um ato para o próximo dia 15 de abril às 16 horas em frente à prefeitura de Niterói. Essa manifestação irá reunir largos setores da classe trabalhadora, para protestar contra o descaso e os ataques dos governos. 

São essas as exigências que chamamos os trabalhadores a buscar até as últimas consequências neste ato, pois só elas irão resolver a questão:

Pela construção, sob supervisão de assembléias de moradores, de novas moradias em locais adequados para TODAS as vítimas, desabrigados e desalojados por causa da catástrofe! 
Imposto progressivo a cada ano sobre as grandes empresas para pagar um plano de infra-estrutura e obras públicas!
Que o lucro das empresas que exploram o petróleo brasileiro, além dos royalties, seja fortemente taxado para garantir habitação digna e bem localizada, com acesso a saúde e educação de qualidade para todos os que precisam! 
Pelo fim do Choque de Ordem! Que as organizações e assembléias de trabalhadores sem-teto tenham total liberdade para usar como habitação improvisada prédios públicos e privados que estejam fora de uso!