O
que ficou de fora de “Terra & Liberdade”
Espanha: Guerra e Revolução
A presente resenha sobre o filme Terra & Liberdade foi publicada pela
Tendência
Bolchevique Internacional em "1917" No. 18 (1996). Sua tradução para o português foi
realizada pelo Reagrupamento Revolucionário em setembro de 2012, a partir da
versão disponível em http://bolshevik.org/1917/no18l&f.pdf.
Terra & Liberdade, um filme do diretor Ken Loach sobre a Guerra Civil
Espanhola, é memorável ao mesmo tempo pelo seu ponto de vista e pelo assunto
que aborda. Ganhador de dois prêmios no Festival de Cinema de Cannes em 1995, o
filme dá vida a uma das maiores lutas de classes deste século. Após 60 anos, a
Guerra Civil Espanhola retém o seu brilho romântico como uma luta heroica que pôs
trabalhadores e camponeses comuns, ajudados por jovens idealistas de esquerda
vindos do estrangeiro, contra os exércitos do General Francisco Franco, a
classe dominante espanhola e as legiões militares fascistas despachadas por
Hitler e Mussolini. É um conflito no qual é fácil escolher um lado.
Durante
a guerra civil, os stalinistas se juntaram a socialdemocratas, pacifistas e
liberais ao propagandeá-la enquanto uma luta para preservar a “democracia”
espanhola. Mas havia muito mais em jogo do que isso – a questão fundamental era
se a sociedade seria organizada de acordo com as necessidades dos capitalistas
e proprietários de terra da Espanha ou dos seus trabalhadores e camponeses.
Há
muitos paralelos entre os eventos na Espanha em meados dos anos 1930 e aqueles
que aconteceram na Rússia depois da derrubada do Czar em fevereiro de 1917. As
origens imediatas do conflito espanhol podem ser rastreadas até a queda da
monarquia em 1931 e a proclamação de uma república encabeçada por uma coalizão
de liberais burgueses e socialdemocratas. O líder dos liberais era Manuel
Azaña, que Trotsky apelidou de “o Kerensky espanhol” em menção ao chefe do
breve Governo Provisório russo. Assim como Kerensky, Azaña não recebeu a
confiança dos grandes capitalistas e proprietários, e dependia do apoio de
partidos dos trabalhadores (primeiro os Socialistas, e depois também os
Comunistas) para se manter no poder. Assim como Kerensky, a base social de
Azaña esperava que ele realizasse mudanças muito mais radicais do que aquelas
que ele estava disposto a tolerar.
O
resultado foi uma crescente série de embates entre os trabalhadores e o Estado
ao longo dos anos 1930. Em 1933, um breve levante anarquista em Cádiz foi
esmagado. Conforme a luta se aprofundou, esquadrões da morte assassinaram
proeminentes líderes dos trabalhadores. Elementos da extrema direita lançaram
um partido fascista, a Falange Espanhola. Quando o governo de Azaña foi
substituído em 1934 por uma coalizão de direita encabeçada por Alejandro
Lerroux, o geralmente legalista Partido Socialista, empurrado por sua ala
esquerda, começou a falar em comprar armas para distribuir aos seus membros.
Em
outubro de 1934, em meio a uma greve geral contra o governo, os mineiros das
Astúrias declararam uma comuna socialista. O governo despachou Franco, à frente
do seu Exército marroquino na África, para esmagar o levante. As tropas de
Franco massacraram 5.000 trabalhadores e prenderam outros 30.000. Mas isso não
acabou com a resistência.
Em
janeiro de 1936, Lerroux foi forçado a renunciar em meio a um escândalo
financeiro, e novas eleições foram realizadas. Pela primeira vez, os líderes
anarquistas da Confederação Nacional do Trabalho (CNT – a maior central
sindical da Espanha), que contava com cerca de um milhão e meio de membros, e também
a Federação Anarquista Ibérica (FAI – a organização anarquista clandestina)
abandonaram seu princípio de abstenção eleitoral e apoiaram os candidatos da
Frente Popular, uma coalizão de partidos liberais burgueses com Socialistas e
Comunistas. A maré foi tão forte que Partido Operário da Unificação Marxista
(POUM – uma aliança de ex-trotskistas liderados por Andrés Nin e o Bloco
Operário e Camponês dirigido por Joaquín Maurín), antes mais à esquerda e que
previamente havia denunciado tal colaboração de classe, chamou pelo voto em
Azaña, e assinou o manifesto eleitoral da Frente Popular. Em um artigo de
janeiro de 1936, intitulado “A Traição do POUM”, Trotsky
denunciou o apoio deles a essa aliança de colaboração de classes como “uma
traição ao proletariado”.
Nos
primeiros meses depois da sua eleição, Azaña fez todo o possível para garantir
à classe dominante espanhola que a Frente Popular não apresentava nenhuma
ameaça aos seus interesses essenciais. Ele se opôs ao armamento dos
trabalhadores, ignorou os eloquentes relatos de que direitistas no exército
estavam preparando uma revolta, e recusou sugestões de depurar o corpo de
oficiais. Essa passividade encorajou os reacionários. Em 17 de julho de 1936 o
exército realizou um levante no Marrocos que rapidamente se espalhou para
outras guarnições pela Espanha. Ele foi imediatamente apoiado pela Igreja
Católica e por virtualmente toda a burguesia. O governo da Frente Popular
respondeu tentando conciliar os rebeldes. Azaña rejeitou propostas de armar a
população:
“Mas os trabalhadores
tinham tirado suas próprias conclusões e, sem dar a menor atenção aos sermões
da Frente Popular sobre a autoridade governamental e parlamentar, ajudaram a si
próprios. Eles espontaneamente se lançaram nos exércitos rebeldes, ao confraternizar
com os soldados, desarmaram-nos e esvaziaram os arsenais e depósitos de armas
em Barcelona, Madrid e Valência. Em uma palavra, eles responderam à insurreição
fascista organizada pelo exército ‘Republicano’ com uma insurreição
proletária.”
― Jean Rous,
‘‘Spain 1936-39: The Murdered Revolution,’’ Revolutionary History Vol.
4, Nos. 1/2
Por toda a Espanha
legalista, trabalhadores tomaram fábricas e terras que a burguesia havia
abandonado ao fugir para se juntar aos franquistas. Logo a classe trabalhadora
começou a organizar a produção sem os patrões. Milícias rapidamente organizadas
dos partidos dos trabalhadores foram despachadas para combater no front,
enquanto na retaguarda patrulhas de trabalhadores substituíram a antiga
polícia.
Em Homenagem a Catalunha, o clássico escrito em 1937 por George Orwell
relatando suas experiências na milícia do POUM na frente de Aragão, ele
descreve as possibilidades para a humanidade que ele vislumbrou nesse levante
revolucionário:
“Eu tinha chegado mais
ou menos por acaso na única comunidade na Europa Ocidental em que a consciência
política e a descrença no capitalismo eram mais normais que seus opostos... Em
teoria havia perfeita igualdade, e mesmo a prática não estava distante disso.
Há uma noção de que seria verdade dizer que se estava experimentando uma prévia
de socialismo, o que significa que a atmosfera mental que prevalecia era aquela
do socialismo. Muitos dos aspectos normais da vida civilizada ― ostentação,
apego ao dinheiro, medo do patrão, etc. ― tinham simplesmente deixado de
existir. A divisão normal de classe da sociedade tinha desaparecido ao ponto em
que é impensável para a atmosfera mesquinha da Inglaterra... Estávamos em uma
comunidade onde a esperança era mais natural do que a apatia ou o cinismo, onde
a palavra ‘camarada’ significava camaradagem e não, como em muitos países, uma
forma de chamar a atenção de alguém. Respirávamos o ar da igualdade... Aquilo
que atrai os homens comuns para o socialismo e os faz querer arriscar suas
vidas por ele, a ‘mística’ do socialismo, é a ideia de igualdade; para a vasta
maioria dos povos, ou socialismo significa uma sociedade sem classes ou ele não
significa nada.”
Um dos grandes méritos do
filme de Loach é que captura esse espírito. A história é contada através dos
olhos de David, um jovem desempregado membro do Partido Comunista de Liverpool,
Inglaterra, que viaja para a Espanha para se juntar às Brigadas Internacionais,
e acaba por acaso entrando numa unidade militar do POUM. As experiências de
David gradualmente transformam as suas visões políticas desde a aceitação
acrítica da linha do Partido Comunista para uma compreensão de que, ao manter a
luta nos limites aceitáveis para os capitalistas, os stalinistas estavam
traindo a revolução e pavimentando o caminho para a vitória de Franco. David
aparentemente foi baseado em Stafford Cottman, o membro mais jovem da unidade
militar de Orwell, “que tinha entrado na Liga da Juventude Comunista depois de
ter saído da Guilda do Partido Trabalhista, mas que apesar de tudo tinha
entrado no POUM (as linhas divisórias não estavam muito bem definidas no
começo)”. (George Orwell A Life, Bernard Crick). Crick relata qu,e
quando Cottman finalmente voltou da Espanha, “havia um piquete na sua casa
feito por membros locais do Partido Comunista, que o denunciavam como
fascista”.
As questões levantadas pela
Guerra Civil Espanhola continuam reverberando hoje em dia. De acordo com Freedom (10 de junho de 1995), uma
publicação anarquista britânica, Santiago Carrillo, ex-líder do Partido
Comunista Espanhol (PCE), denunciou Terra
& Liberdade no jornal de Madrid, El
País, no dia antes da estreia do
filme. Ele reclamou que ele reduzia “um dos grandes épicos da luta pela
liberdade deste século” a um pequeno conflito entre o POUM e o PCE. Loach
respondeu apontando que, na época, Carrillo estava entre aqueles que caluniaram
o POUM por supostamente estar em colaboração com Franco. Os comentários de Carrillo
foram ecoados por Paul Preston, um historiador britânico, na matéria de capa de
16 de fevereiro do New Statesmen. De
acordo com Preston, “Terra &
Liberdade de Loach deve ser visto como um trabalho marginal, se não
perverso” porque ele é mais “um anti-stalinista
do que uma homenagem àqueles homens e mulheres espanhóis e estrangeiros que
deram suas vidas na luta contra Franco e seus aliados do Eixo”.
Para o crédito de Loach,
ele explica o contexto internacional da política de frente popular de Moscou.
Um ponto alto do filme é a discussão, que inclui a unidade da milícia e os
camponeses de uma vila que eles tinham libertado, sobre coletivizar ou não a
terra. Um stalinista norte-americano intervém, defendendo que a coletivização
poderia assustar os potenciais aliados democráticos capitalistas da República
Espanhola. E foi de fato em busca de um pacto de defesa com a Grã-Bretanha e a
França que Stalin insistiu em sacrificar a Revolução Espanhola no altar da
Frente Popular. O principal defeito político da apresentação de Loach,
entretanto, é a ausência de críticas às políticas do POUM. Poder-se-ia, com
base no seu filme, ter a impressão de que o POUM, oposto aos stalinistas,
buscou um curso revolucionário consistente. Não foi bem assim.
Em um artigo escrito duas
semanas depois do início da Guerra Civil, Leon Trotsky, líder do vitorioso
Exército Vermelho na Guerra Civil Russa, observou:
“Numa guerra civil se
combate, todos o sabem, não apenas com exércitos, mas também com armas
políticas. De um ponto de vista puramente militar, a Revolução Espanhola é
muito mais fraca que seu inimigo. A sua força está na habilidade de trazer as
grandes massas para a ação. Ela pode até mesmo tirar o exército das mãos de
seus oficiais reacionários. Para conseguir isso, é necessário apenas lançar
seria e corajosamente o programa da revolução socialista.”
“É necessário
proclamar que, de agora em diante, a terra, as fábricas, e as lojas passarão
das mãos dos capitalistas para as mãos do povo. É necessário se mover de uma
vez em direção à realização desse programa naquelas províncias onde os
trabalhadores estão no poder. O exército fascista não poderia resistir à
influência de um programa como esse por 24 horas; os soldados iriam amarrar as
mãos e os pés dos seus oficiais e leva-los assim até o quartel mais próximo das
milícias de trabalhadores. Mas os ministros burgueses não podem aceitar um
programa como esse. Ao conter a revolução social, eles compelem os
trabalhadores e camponeses a derramar dez vezes mais do seu sangue na guerra
civil. E para coroar isso tudo, esses senhores esperam desarmar os
trabalhadores novamente depois da vitória para força-los a respeitar as leis
sagradas da propriedade privada. Essa é a verdadeira essência da política da
Frente Popular.”
― “A Lição da Espanha”, 30 de julho de 1936
A capitulação do POUM e da
CNT/FAI anarquista à Frente Popular ― ou seja, à concepção de que os interesses
dos trabalhadores e camponeses tinham que ser subordinados àqueles dos
capitalistas “progressistas” ― estabeleceu a base para a derrota da revolução
e, em última instância, do lado republicano. Uma vez que os partidos dos
trabalhadores aceitavam a necessidade de manter o bloco com os capitalistas
“progressivos”, a luta tinha, portanto, que respeitar a propriedade privada e
garantir as posses coloniais da Espanha. É por isso que o campo republicano se
recusou a proclamar a independência do
Marrocos, apesar do fato de que isso teria tido um poderoso efeito
desestabilizador nas tropas marroquinas, que constituíam um importante elemento
do exército de Franco. O governo também se recusou a legalizar a expropriação
das terras dos latifundiários e se esforçou para tranquilizar os capitalistas
ao “regularizar” o aparato estatal, desarmando os trabalhadores e liquidando os
órgãos de poder popular que haviam surgido em julho de 1936.
O POUM condenou essas
medidas, mas se recusou a romper com a Frente Popular em cima delas. O melhor
que Nin pôde fazer foi oferecer um palavreado “revolucionário” em sua aparência.
Apesar de suas críticas à esquerda à traição dos stalinistas e da Frente
Popular, o POUM capitulou politicamente numa conjuntura muito importante. Ele
apoiou a Frente Popular eleitoralmente e, em setembro de 1936, entrou no
governo burguês da Catalunha. Uma das primeiras tarefas do novo governo foi
dissolver os órgãos de duplo poder proletário que haviam surgido paralelamente
aos órgãos oficiais de governo. O Comitê Central das Milícias de Trabalhadores
foi dissolvido, e as suas funções foram assumidas pelo Ministro da Defesa, enquanto
os conselhos antifascistas locais (dominados pelas organizações de
trabalhadores) foram substituídos pelas administrações municipais indicadas
pelo governo.
Além disso, enquanto o POUM
mantinha o seu portfólio ministerial, a classe trabalhadora estava desarmada.
Passou-se uma lei exigindo que todas as armas fossem entregues ao ministério da
defesa dentro de 8 dias: “No fim do período citado, aqueles que retenham tais
armamentos serão considerados fascistas e julgados com o rigor que a sua
conduta exige.” (citado em Revolução e
Contrarrevolução na Espanha, de Felix Morrow). O decreto foi publicado na
edição de 28 de outubro de 1936 de La
Batalla, o jornal do POUM. Tendo emprestado o seu prestígio ao desarmamento
dos trabalhadores e à erradicação dos seus comitês, em 12 de dezembro de 1963 o
POUM foi de forma pouco cerimoniosa expulso do governo. A CNT, que era bem
maior e mais flexível que o POUM, conseguiu ficar no governo até julho de 1937,
quando ela também foi descartada.
Conforme a guerra progrediu,
o punho stalinista apertou com mais força o aparato de Estado republicano.
Dentro do governo de Frente Popular, os Comunistas defenderam os interesses dos
capitalistas com uma determinação implacável. Em um discurso de março de 1937
para o plenário do Comitê Central do PCE, José Díaz, o secretário geral do
partido afirmou isso sem ambiguidades:
“nós não devemos
perder a cabeça e saltar sobre a realidade, tentando realizar experimentos de
‘comunismo libertário’ (anarquista) ou ‘socialização’ nas fábricas ou no campo.
O estágio de desenvolvimento da revolução democrática pelo qual nós estamos
passando requer a participação de todas as forças antifascistas, e esses
experimentos só podem resultar em afastar uma seção muito importante dessas
forças.”
...
“Se no começo as
várias tentativas prematuras de ‘socialização’ e ‘coletivização’, que eram o
resultado de um entendimento pouco claro do caráter da presente luta, pode ter
se justificado pelo fato de que os grandes proprietários de terras e
industriais tinham abandonado as suas terras e fábricas e que era necessário a
todo custo continuar a produção, agora pelo contrário elas não podem se
justificar de nenhuma forma. No presente momento, quando há um governo da
Frente Popular, no qual todas as forças engajadas na luta contra o fascismo
estão representadas, tais coisas não apenas não são desejáveis, mas
absolutamente inadmissíveis.”
― A Internacional Comunista, maio de 1937
Nesse discurso, Diaz
antecipou ameaçadoramente a vindoura repressão stalinista. Primeiro, numa clara
tentativa de isolar o POUM, ele desmentiu relatos de que a CNT/FAI seria atingida:
“Nossos inimigos
lançam rumores de que confrontos sangrentos são inevitáveis entre anarquistas e
comunistas, e que a questão de quem vai esmagar o outro vai surgir
inevitavelmente. Deve-se declarar que aqueles que espalham tais rumores são
nossos inimigos e inimigos dos camaradas anarquistas.”
Ele declarou que era
necessário lançar uma “luta implacável contra o trotskismo”, e deixou claro que
a eliminação do POUM era uma prioridade máxima:
“Nosso maior inimigo é
o fascismo, contra o qual nós concentramos nosso fogo e todo o ódio do povo.
Mas o nosso ódio é dirigido com igual força contra os agentes do fascismo,
contra aqueles que, como o POUM, esses trotskistas disfarçados, se escondem
atrás de uma fraseologia pseudo-revolucionária para melhor cumprir seu papel
como agentes do inimigo em nosso país. Para destruir a ‘Quinta Coluna’, nós
devemos destruir todos aqueles que defendem os slogans políticos do inimigo.
Mas os slogans do nosso inimigo são contra
a república democrática, contra a
Frente Popular antifascista, contra o
governo da Frente Popular...”.
O confronto veio dois meses
depois, em maio de 1937, quando os stalinistas lançaram um ataque contra a
estação telefônica de Barcelona, controlada pala CNT. Milhares de trabalhadores
armados, liderados pelos militantes da CNT e do POUM, responderam a essa
provocação saindo às ruas e construindo barricadas. Os trabalhadores tiveram
superioridade nos combates iniciais. Centenas de policiais do governo foram
capturados e desarmados, e a maior parte da cidade logo estava sendo controlada
pelos trabalhadores. Terra &
Liberdade mostra essa batalha. O que fica de fora, entretanto, é o fato de
que a liderança do POUM foi pega de surpresa – por ambos o ataque dos
stalinistas e a resistência dos trabalhadores. E então, ao invés de usar a sua
vantagem inicial para expulsar o governo e estabelecer o poder proletário
direto, eles tentaram contemporizar com Azaña. Apenas o pequeno Grupo
Bolchevique-Leninista, de orientação trotskista, e os anarquistas de esquerda “Amigos
de Durruti” chamaram por um rompimento com a Frente Popular e pelo
estabelecimento do poder dos trabalhadores. Os trotskistas lançaram um
manifesto chamando pelo desarmamento da polícia republicana e pelo armamento
dos trabalhadores. Eles alertaram que: “Esse é o momento decisivo. Logo será
tarde demais... Apenas o poder proletário pode garantir vitória militar”. Os
anarquistas de esquerda lançaram declarações similares. Mas o POUM e os líderes
anarquistas concordaram, ao invés disso, a deixar as armas e mandar os
trabalhadores para casa em troca da promessa por parte do governo de que não
haveria represálias. Dentro de semanas o POUM era posto fora da lei, suas
milícias desmontadas, seus quadros presos e seus líderes assassinados.
Longe de fortalecer o lado
republicano, o sucesso dos stalinistas em esmagar a esquerda apenas acelerou a
vitória de Franco. A questão crítica sobre a qual dependia o resultado final da
Guerra Civil era o interesse de classe.
A classe dominante espanhola sabia isso desde o início. Eles apoiaram Franco
porque eles sabiam que se ele vencesse os sindicatos seriam esmagados, a
esquerda aniquilada e uma ditadura militar instalada para garantir o poder
capitalista. Mas não havia um apelo de classe equivalente do lado republicano.
Os stalinistas exortavam os trabalhadores e proletários rurais a arriscar suas
vidas para que, depois da vitória, eles pudessem continuar suas vidas sob o
domínio “democrático” desses mesmos capitalistas.
Fenner Brockway, líder do parlamentarista
Partido Trabalhista Independente (ILP) não era certamente nenhuma
revolucionário. No entanto, depois de visitar a Espanha em junho e julho de
1937, ele concluiu:
“é evidente que o
recuo de uma posição revolucionária pelo governo está encorajando a desilusão e
mesmo a indiferença quanto à guerra. A experiência da Espanha mostra que uma
guerra efetiva contra o fascismo também deve ser uma guerra pela revolução
social. Essa é a dinâmica do entusiasmo, e conforme a contrarrevolução na
Espanha prossegue, a paixão pela luta contra Franco diminuiu.”
― “Relato Pessoal da Visita à Espanha”, circular
mimeografada [1937].
Terra & Liberdade vividamente ilustra quão perto a Espanha esteve em
meados dos anos 1930 de uma revolução proletária, e capta a confusão dos
militantes diante da situação, a forma como eles lentamente passam a perceber
que estão sendo traídos. O desarmamento da unidade militar do POUM de David no
clímax é a cena mais dolorosa do filme. No entanto, a ausência de qualquer
explicação para a capitulação do POUM e da CNT/FAI pode levar os espectadores a
tirar conclusões desnecessariamente pessimistas. Isso porque, a parte da
questão da liderança política, a situação na Espanha em 1936 era muito mais
favorável do que aquela na Rússia em 1917, quando os trabalhadores triunfaram.
O proletariado espanhol de 1936 tinha um peso social muito maior e era
politicamente mais avançado do que eram os trabalhadores russos em 1917. Além
disso, ao contrário do campesinato predominantemente pequeno-burguês da Rússia,
a população rural na Espanha era composta principalmente de proletários
sem-terra e semiproletários que se identificavam com os seus pares urbanos. As
massas espanholas lutaram magnificamente, mas sem uma liderança revolucionária
coerente, foram incapazes de superar a coalizão de membros do POUM,
stalinistas, anarquistas e socialdemocratas apoiando a Frente Popular. Nas
palavras de Trotsky: “Não pode haver maior crime do que uma coalizão com a
burguesia num período de revolução socialista”. Aqueles que aceitam o esquema
da frente popular devem necessariamente considerar a revolução socialista como
um erro.
A diferença entre a vitória
na Rússia e a derrota na Espanha esteve inteiramente na qualidade da liderança
política na ala esquerda do movimento dos trabalhadores. Os bolcheviques
defenderam Kerensky, o líder do Governo Provisório de colaboração de classes,
contra o golpe reacionário do General Kornilov, assim como na Espanha Trotsky
chamou pela defesa de Azaña contra Franco. Mas, enquanto Lenin firmemente se
recusou a apoiar Kerensky politicamente, e agressivamente defendeu os
interesses independentes da classe trabalhadora contra a frente popular, o POUM
e o resto da esquerda espanhola se curvaram diante do governo de coalizão para
evitar o isolamento.
Os contorcionismos
resultantes das tentativas do POUM de conciliar a sua análise formalmente
marxista com o seu comportamento oportunista seria difícil de captar em uma
produção cinematográfica. Loach ao menos merece o crédito por dizer a verdade
conforme ele a conhece. Um dos méritos políticos do filme é que ele indica que
a chave para o resultado da guerra Civil Espanhola estava nas lutas por dentro do campo republicano.
Loach não gosta da Frente
Popular, mas ele não a explica suficientemente. Nesse sentido, a história
completa da derrota da revolução espanhola ainda espera para ser contada para
um público de massa. Entretanto, em um período de completo desprezo e cinismo pela
política no cinema, Terra & Liberdade
é valioso ao menos por sugerir para uma nova geração que vale a pena considerar
algumas das possibilidades históricas não realizadas dessa revolução traída.