Terceira Conferência do Comitê Internacional:
Derrota
para o Trotskismo Mundial
Originalmente publicado em Spartacist No. 6, junho-julho de 1966. Traduzido para
o português em setembro de 2012 pelo Reagrupamento Revolucionário.
É
uma amarga ironia que o Newsletter
(órgão da Socialist Labour League [Liga Trabalhista Socialista] britânica)
tenha tido como manchete do seu artigo sobe a conferência de abril do Comitê
Internacional “Reconstruindo a Quarta Internacional”. O resultado aparente da
conferência: Voix Ouvrière (um grupo trotskista francês antes sem relações com
ambos o CI ou o Secretariado Unificado) foi posto para fora e o grupo
Espartaquista expulso. Assim foi “reconstruída” a Quarta Internacional.
O
rompimento com o grupo Espartaquista foi conseguido através de um pretexto
organizativo bastante transparente. O editor de Spartacist, James Robertson, um delegado na conferência, se absteve
de participar de uma das sessões durante a tarde e depois se recusou a
“confessar” que essa ausência era uma violação de princípio ou uma expressão de
“chauvinismo pequeno-burguês norte-americano”. A sua recusa em se “desculpar
apropriadamente” foi considerada um desvio do centralismo democrático. Foi
grotesco que um rompimento internacional tenha sido precipitado por uma regra
não declarada sobre presença que só foi aplicada à delegação Espartaquista; tão
grotesco que, de fato, nenhuma seção do CI encontrou ainda a coragem para
tornar este fato público.
Pelo
contrário, o American Committee for the
Fourth International [Comitê Norte-americano pela Quarta Internacional], que
antes havia se proclamado como um defensor ardente da unidade, de repente
“descobriu” que as posições do grupo Espartaquista são incompatíveis com a
participação no CI, criando uma cortina de fumaça de acusações políticas no
jornal Bulletin do ACFI de maio de
1966 para explicar o rompimento inesperado.
Um balanço crítico
Já que todos que apoiam uma
unificação principista entre os trotskistas revolucionários devem estar surpresos
e confusos com essa reviravolta, é necessário rever criticamente as
contribuições políticas e os eventos da Conferência de Londres, para poder
determinar o que causou o racha.
A maior apresentação da
conferência foi feita por Cliff Slaughter, secretário do CI, sobre “Reconstruir
a Quarta Internacional”, a resolução internacional publicada antes da
conferência. Foi incorporado ao resumo por Slaughter um veemente ataque contra
a atividade política e caráter do grupo Espartaquista e um ataque especial
contra Robertson, como notado acima. Enquanto nossa delegação votou em apoio à
resolução, ela forçosamente se absteve de votar sobre o relatório de Slaughter.
A nossa posição
O grupo Espartaquista foi à
conferência por estar em acordo político básico com as principais posições
publicadas pelo Comitê Internacional. Nós permanecemos em acordo político
básico com a resolução do CI, apesar de algumas exceções particulares.
O camarada Slaughter
caracterizou o contexto objetivo atual como um de “crescente crise do
imperialismo”, especialmente desde 1956. Ele viu a classe trabalhadora como
cada vez mais agitada pelo mundo e rapidamente avançando para expor e rejeitar
as tradicionais burocracias operárias. Ele descreveu a ascensão do revisionismo
pablista como o reflexo do esforço consciente da burguesia de desorientar e
controlar a vanguarda da classe trabalhadora. No entanto, declarou ele, o
pablismo agora foi derrotado decisivamente, e a luta pela liderança da classe
trabalhadora é uma tarefa imediata. A superioridade do CI, afirmou ele, está em
sua compreensão dos “métodos leninistas de construção de partido e na teoria
marxista”.
O grupo V.O. declarou como
contraposição que o pablismo tem sido o reflexo da composição pequeno-burguesa
da Quarta Internacional desde a Segunda Guerra.
Na terceira manhã da
conferência, chegou a vez do camarada Robertson na lista das intervenções. Ele
expressou o acordo fundamental do grupo Espartaquista com a linha da Resolução
Internacional e do relatório, mas tomou a oportunidade para tornar claras
certas diferenças (confira suas observações nesta edição).
O camarada Robertson então perdeu a sessão que se seguiu às suas observações.
Embora três membros da delegação Espartaquista estivessem presentes à sessão,
completamente em condição de tomar parte na discussão, essa ausência do
camarada Robertson se transformou em uma desculpa para um violento ataque
contra nossa organização.
Grupo Espartaquista expulso
Durante a sessão perdida
por Robertson, Michael Banda da SLL usou seu comentário sobre o relatório de
Slaughter para fazer um grave ataque político contra as posições
espartaquistas. Na sessão da noite que se seguiu, questões de “indisciplina”
foram levantadas.
Ataques contra o grupo
Espartaquista continuaram por um período de vinte e quatro horas durante as
quais o grupo de Healy tentou criar algum pretexto político para a expulsão.
Não encontrando nenhum, eles tiveram que ficar com o fraco pretexto
organizativo original.
Deve-se notar que Robertson
havia informado ao camarada Healy (secretário nacional da SLL) de sua intenção
de se ausentar, e que depois de retornar à conferência ele tinha explicado aos
delegados reunidos que ele não sabia de nenhuma regra exigindo sua presença, de
que ele não tinha nenhuma intenção de não seguir o protocolo e de que iria
certamente aderir a tais regras no futuro.
O débil esforço do ACFI
Qual foi a razão para esse
ataque veemente? O Bulletin faz um
esforço débil para prover alguma motivação. Assim: “Robertson declarou que ele
estava em acordo geral com o relatório (de Cliff Slaughter), mas mostrou que
ele não tinha compreensão e, na realidade, nenhum acordo com o seu método e
linha fundamentais”.
Como evidência dessa
interpretação fantástica, o Bulletin
aponta para a avaliação espartaquista da rápida estabilização do capitalismo no
mundo colonial depois das recentes derrotas sofridas pela classe trabalhadora
nas nações atrasadas. Porque Robertson apontou este recuo temporário das forças
da classe trabalhadora, ele é cego para a “unidade da crise”. Se por unidade da
crise deve-se entender que apesar de avanços pontuais a classe capitalista não
pode resolver ou suprimir as contradições na sociedade, então o grupo
Espartaquista concorda vigorosamente. Mas se o Bulletin e o CI, cuja linha ele representa, deseja apresentar cada
derrota como se fosse vitória, e tratar o revés esmagador, digamos, na
Indonésia, como um novo e mais alto estágio da luta de classes na luta pelo
socialismo, então isso é outra coisa: também a Comintern de 1933 viu a subida
de Hitler ao poder como o prelúdio da revolução proletária. A convicção
revolucionária do grupo Espartaquista se baseia não eu um otimismo eufórico,
mas na confiança de que a classe trabalhadora, com a liderança do seu partido
revolucionário de vanguarda, se torne consciente da sua missão de libertar a
sociedade das amarras do capital.
A questão negra
Em um estilo similar, o
artigo do Bulletin sugere que a análise
especial do grupo Espartaquista para a questão negra despreza a classe
trabalhadora branca. Isso é especialmente desonesto por parte dos camaradas do
ACFI, já que foram eles que acompanharam a abdicação do SWP rumo ao
nacionalismo negro em 1963. Os camaradas espartaquistas, então conhecidos
dentro do SWP como a Tendência Revolucionária, votaram por uma contraproposta
integracionista revolucionária e mantiveram uma posição consistente desde então
sobre a necessidade de uma análise de classe e não de nação sobre a questão do
negro.
Para ser justo, desde então
o ACFI modificou sua linha sobre essa questão, publicando em seu Bulletin uma posição revisada que
caracteriza a população negra como um povo-classe, em analogia à caracterização
de A. Leon sobre o povo judeu como um povo-classe. Estranhamente, a delegação
do ACFI em Londres permaneceu em silêncio enquanto o grupo Espartaquista era
denunciado pelos delegados franceses e gregos por ter uma linha sobre a questão
negra do tipo classe-povo, como é a do ACFI.
Porque essa repentina
mudança de linha do ACFI, essa insensibilidade para com a condição especial dos
negros nos EUA? Porque o ACFI, como uma marionete num cabo, agora tem que ver
as questões norte-americanas em termos britânicos.
Propaganda OU agitação?
Com “lógica inexorável”, o
artigo do Bulletin chega à inevitável
conclusão: o grupo Espartaquista é apenas um grupo de propaganda, incapaz de
fundir a teoria com a ação. Entretanto, Tim Wohlforth, o intranquilo líder do
ACFI, não prestou atenção e apresentou um documento revelador à conferência de
Londres, “Alguns Comentários sobre as Perspectivas para a Fusão do Movimento”,
que concluía: “Os camaradas
espartaquistas, enquanto insistindo em um curso propagandístico, fizeram mais
para romper com uma existência propagandística do que nós fizemos.”
Enquanto camaradas espartaquistas foram presos cerca de vinte vezes nos últimos
três anos por nossa participação ativa no movimento pelos direitos civis, nós
ainda não ouvimos a respeito de um único membro do ACFI enfrentando uma
perseguição semelhante! Essa diferença impactante revela a verdade.
O argumento final, tendo
todos os outros falhado, é de que Robertson “não concordou que o CI, e só o CI,
representa a continuidade do movimento”. Se os camaradas espartaquistas não
acreditassem que o CI fosse o herdeiro político do trotskismo, por que eles
buscaram unidade dentro de uma Internacional disciplinada? O Bulletin deseja algo a mais: uma
subordinação servil é exigida.
Sem disciplina bolchevique!
O mais irônico: o CI não é
uma Internacional ― ele não tem disciplina, ao menos não para as privilegiadas
seções francesa e britânica. Ao invés disso, o CI aceitou a posição de que “O
único método de chegar a decisões que permanece possível no presente é o princípio
da unanimidade”. Entretanto, ele exige completa e inquestionável “disciplina”
dos seus simpatizantes, mesmo ao nível de trivialidades organizativas. Nossos
amigos no ACFI recentemente se recusaram a debater conosco sem antes
“esclarecer isso” [com os britânicos].
Se Robertson tivesse
“pedido desculpas” em Londres, isso teria significado que o grupo Espartaquista
teria aceitado o papel de marionete do ACFI no movimento internacional. Esse
tipo de subordinação é suicídio político.
Falta ainda responder por
que o grupo de Healy no CI escolheu arruinar as perspectivas imediatas para
reconstruir a Quarta Internacional ao repelir o grupo V.O. e expulsar a Liga
Espartaquista. À luz disso, como devemos avaliar o potencial revolucionário da
Socialist Labour League apesar de suas evidentes realizações?
Por trás do racha
Em certo sentido, as
observações do camarada Robertson levaram realmente ao racha. Claramente, o CI
se sentiu incapaz de tolerar uma tendência disciplinada, mas vigorosa e
independente em suas fileiras. Essa é a realidade organizativa por trás da
expulsão, por trás das mentiras e distorções no Bulletin. Mas qual, por sua vez, é a explicação política para o
burocratismo monolítico do CI e especialmente de sua seção chefe, a SLL da
Grã-Bretanha?
Uma burocracia rígida em um
movimento proletário sempre revela uma fundamental falta de confiança nos
membros do partido e em última instância da capacidade revolucionária da classe
trabalhadora. O grupo de Healy demonstrou sua incapacidade fundamental de
construir um movimento revolucionário mundial. Cabe ao grupo Espartaquista,
junto com outras seções do Comitê Internacional construir uma liderança para
esse objetivo.