10.6.12

Boletim do Movimento Hora de Lutar (UFRJ)

Reproduzimos a seguir o primeiro boletim do extinto Movimento Hora de Lutar, construído na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) por militantes do Coletivo Lenin e simpatizantes ao longo do ano de 2010 e início de 2011. Após nosso racha com o Coletivo Lenin devido à consolidação de uma tendência revisionista com maioria dentro da organização (leia aqui nossa carta de ruptura), o Movimento Hora de Lutar foi “suspenso em razão da necessidade de reavaliar as bases que mantinham o grupo unido” (conforme publicado em julho de 2011). 

O presente Boletim foi originalmente publicado em agosto de 2010 e faz uma análise das chapas (e seus respectivos grupos integrantes) que concorreram às eleições para o DCE da UFRJ. Ele apresenta também a Carta de Princípios na qual se baseava o MHL. Esta versão contém adições realizadas pelo MHL ao texto original e foi postada em seu blog em 19 de agosto de 2010. Algumas notas de esclarecimento (indicadas entre colchetes) foram acrescentadas pelo Reagrupamento Revolucionário.


POR UM NOVO MOVIMENTO NA UFRJ 
Todos ao Movimento Hora de Lutar!

Uma avaliação das últimas eleições para o DCE 

Nas últimas eleições do DCE [Diretório Central de Estudantes], nós do Coletivo Lenin chamamos voto crítico na Chapa 4 – Revida Minerva! Aqui, faremos uma avaliação do resultado e de como correram as eleições, como forma de apresentar nossa posição em relação às demais organizações estudantis e explicar o porquê de vermos necessidade de criar um novo movimento estudantil na UFRJ. Em primeiro lugar é preciso deixar claro nosso ponto de vista. Somos comunistas. Isso significa que acreditamos que os problemas centrais dos estudantes e trabalhadores só serão resolvidos quando os trabalhadores estiverem na gestão da sociedade, ou seja, o socialismo. Por isso, o Coletivo Lenin faz questão de estar presente nos Centros Acadêmicos, nas eleições do DCE, nas campanhas por bandejões e assistência estudantil; para chamar atenção para a importância e ao mesmo tempo a insuficiência das lutas por melhorias dentro do capitalismo. Enquanto vivermos no capitalismo, as melhorias estarão constantemente ameaçadas e podem ser retiradas com a mesma rapidez com que são conseguidas, assim que os estudantes e trabalhadores se desmobilizarem.

Portanto, encaramos que nossa maior tarefa é criar uma ferramenta de mobilização permanente dos trabalhadores, um Partido Revolucionário, que possa liderar a imensa maioria dos trabalhadores (que não tem essa clareza) para uma luta pelo poder contra os capitalistas. Na construção desse partido devem entrar os melhores elementos, aqueles com maior clareza sobre quais são as tarefas para combater o capitalismo. Assim, um pequeno grupo como o Coletivo Lenin deve recrutar as pessoas de consciência de classe mais avançada no movimento sindical, no movimento estudantil, no movimento de trabalhadores desempregados e até mesmo intelectuais revolucionários.

É com essa perspectiva que intervimos na UFRJ. Nosso pequeno Coletivo ainda não tinha condições de criar uma chapa própria nessas eleições. Porém, não podemos ignorar um evento importante como as eleições e nos abstermos de disputar a consciência dos estudantes. Uma vez que não éramos capazes de fazer propaganda sobre nossos objetivos da melhor maneira, que era tendo uma chapa, chamamos voto crítico numa outra chapa que concorria nas eleições. O objetivo dessa tática de voto crítico é mostrar o que achamos de positivo numa chapa (a razão de chamarmos voto nela) e, ao mesmo tempo, ter a liberdade de apontar as suas falhas. Fazemos isso porque não achamos que montar uma chapa seja congregar grupos de amigos ou grupos políticos que tem alguns pontos em comum. Achamos que participar das eleições do DCE não deve ser um fim em si mesmo, com o objetivo de mandar na entidade. Nosso objetivo a curto prazo é construir um movimento estudantil capaz de reunir ativistas independentes que, assim como nós, entendam a importância de ligar as lutas estudantis às lutas dos trabalhadores e que façam propaganda diária entre os estudantes da necessidade de uma luta revolucionária na Universidade, que deve incluir oposição ao governo de Lula em aliança com os empresários, integração dos estudantes com os trabalhadores, luta pelo fim do funil racial e social que é o vestibular, defesa de demandas para as estudantes (como creches e bandejões gratuitos e de qualidade em todos os campi), etc.

Vemos as eleições como uma oportunidade de fazer propaganda do programa revolucionário. Assim, temos clareza: não entraríamos numa chapa com um grupo com o qual tivéssemos divergências marcantes. Assim, achamos uma traição os atos daqueles que formam chapas que não tem a mínima coesão e dentro da qual cada um acha algo diferente sobre o mesmo assunto. Esse foi o caso da Chapa 2 – A UFRJ que Queremos. Parte da chapa (Movimento Nós Não Vamos Pagar Nada [composto por militantes do Enlace/PSOL e simpatizantes]) considera que é preciso que o DCE esteja presente na União Nacional dos Estudantes e outra parte (que se organiza na ANEL – Assembleia Nacional dos Estudantes Livre [entidade que é dirigida pelo PSTU]), que era preciso romper com a entidade de massa dos estudantes brasileiros.

Da mesma forma, não achamos que devemos diminuir nossas exigências e baixar o tom sobre aquilo que achamos fundamental que os estudantes reivindiquem, para assim conseguir ganhar mais votos. Muitos grupos, entretanto, esquecem seus objetivos para atrair aqueles que tem menor clareza sobre quais devem ser as bandeiras e os objetivos dos estudantes. Isso ocorreu, por exemplo, com a Chapa 3 – Correnteza: os membros do Movimento Correnteza [impulsionado pelo PCR e simpatizantes] tentaram a todo custo (sem sucesso) atrair o Coletivo Alojamento em Luta para dentro da chapa. Para isso, mudaram a sua demanda, que era o fim do vestibular, para passar a lutar apenas pelas cotas sociais e raciais, que são extremamente insuficientes para combater a exclusão elitista e racista da universidade. Por isso, o giro mais oportunista dessas eleições foi protagonizado pelo Movimento Correnteza. Na semana do protesto-almoção pelo bandejão do CT-CCMN, estavam dizendo ao estudantes que era fundamental lutar por bandejões gratuitos e de qualidade para todos e lutar pelo fim do vestibular. Duas semanas depois, nas eleições, faziam meramente a defesa das cotas e exigiam apenas o término das obras do atual bandejão. Um movimento só faz isso quando seu objetivo não é trazer os estudantes para uma luta integrada aos trabalhadores (uma luta que vai além do imediato), mas simplesmente ganhar a eleição, não pela superioridade de sua campanha e suas propostas, mas pela aglutinação de grupos heterogêneos.

A razão de chamarmos voto crítico na Chapa 4 foi percebermos que ela foi a que congregou inúmeras demandas fundamentais para os estudantes da UFRJ, coisas pelas quais se comprometia a lutar caso fosse eleita, como por exemplo: a fundamental aliança entre os estudantes e trabalhadores da universidade; luta por bandejões gratuitos e abertos em tempo integral para todos os estudantes e trabalhadores; creches gratuitas e de qualidade para atender a todas as estudantes e trabalhadoras. Pudemos perceber, entretanto, que a maioria dessas demandas entrou na chapa por insistência de um dos grupos que a compunha, o Movimento A Plenos Pulmões [que era impulsionado pela LER-QI na UFRJ], enquanto os demais grupos, o Coletivo Alojamento em Luta e o Movimento Quem Vem Com Tudo Não Cansa [composto por militantes do Coletivo Marxista e simpatizantes], tinha uma formulação muito semelhante àquela apresentada pela Chapa 2 (ou seja, cotas, nenhuma palavra sobre aliança operário-estudantil e nenhuma linha sobre bandejões gratuitos).

Isso ficou claro no final da campanha, quando os membros do Movimento A Plenos Pulmões não puderam estar presentes e o restante da chapa lançou um panfleto de boca de urna que poderia ser facilmente confundido com um panfleto da Chapa 2, não fosse o número no alto. Ao mesmo tempo, não temos nenhuma espécie de pena dos membros do Movimento A Plenos Pulmões. Os companheiros tem experiência suficiente para saber que é isso que ocorre quando se forma uma chapa com grupos de pensamento diferente. Os grupo maiores passam a perna nos menores. Isso para não citar as “adaptações” que tais companheiros fizeram para manter a chapa unida. Por exemplo, se “esqueceram” que eles próprios defendem disputar as bases da UNE, a entidade de massa dos estudantes (combatendo o governo onde estão os estudantes influenciados pelo governo) e que de fato constroem a ANEL, e integraram uma chapa que agita o rompimento sectário com ambas entidades. O mesmo pode ser visto na sua defesa de que devemos lutar ao mesmo tempo “por cotas e pelo fim do vestibular”. Não somos neutros diante das cotas. Achamos que são uma melhoria extremamente paliativa e insuficiente. Por isso, apoiaríamos a sua implementação de maneira crítica, apontando a necessidade do fim do vestibular, que é o acesso de todos os filhos da classe trabalhadora (inclusive os setores negros mais explorados) à educação superior.

Não podemos deixar de citar o papel vergonhoso da Chapa 5 – A UFRJ Pode, cujo objetivo por trás do bonito panfleto era abandonar completamente a luta política do movimento estudantil e tornar o DCE um espaço de confraternização alienada. Também falamos com receio sobre o crescimento da Chapa 1 – Um Novo Enredo. A Chapa 1 congrega os setores que apoiam o governo Lula entre os estudantes. O crescimento desses grupos, que controlaram o DCE até 2007, tem duas principais razões. O primeiro fator é objetivo: o ano eleitoral faz com que os defensores do governo se beneficiem da imensa pressão social que os estudantes sofrem para votar pela frente popular (governo de organizações operárias e estudantis em comunhão com os empresários) de Lula. Os trabalhadores e estudantes em geral fazem isso porque não vêem outra alternativa e temem, com razão, o retorno da direita. Isso leva diretamente ao outro fator: o subjetivo. Não existe nesse momento uma força política de esquerda que mostre que é possível algo mais e melhor que o governo Lula, que rompa as dúvidas e incertezas dos estudantes. Na UFRJ, o melhor exemplo disso é a atual gestão do DCE, novamente hegemonizada pela Chapa 2, que não oferece essa alternativa aos estudantes.

Primeiro, porque a Chapa 2 defende basicamente as mesmas propostas que os apoiadores do governo Lula: cotas, mais verbas para educação e, na prática, que “estudante é estudante e trabalhador é trabalhador”. Por isso, sua “luta” contra os projetos do governo (Reuni, Prouni) fica no vazio. Faltam propostas alternativas ao Reuni e ao Prouni e fica até parecendo que a Chapa 2 é contra o aumento de vagas na Universidade brasileira (poderia dizer claramente “Fim do Vestibular – Acesso universal!”). Segundo, porque combate o governo apenas em fóruns menores como a ANEL, sem integrar a UFRJ à luta contra o governo onde estão os estudantes que acreditam no governo – na UNE. Assim, a gestão acaba se fechando dentro do próprio umbigo, sem trazer os estudantes para luta. Ao invés de estar nos fóruns mais amplos possíveis defendendo um programa realista e avançado para combater o governo, a gestão do DCE se encastela num fórum reduzido defendendo propostas que em muito pouco se diferenciam daquelas proferidas pelos que querem empurrar o governo Lula para a esquerda, ou seja, empurrar o governo Lula para melhorar as universidades para o benefício de estudantes e trabalhadores: algo que ele nunca fará! Será que é essa a esperança por trás das propostas da Chapa 2?

Para nós as eleições não representam um momento específico na existência dos grupos citados, mas sim um momento em que suas posições e práticas vêm à tona para todos que desejem ver. E, como deixamos claro nossa posição extremamente crítica em relação aos mesmos, consideramos a necessidade imediata de começar a organizar na UFRJ um movimento que cumpra determinadas tarefas que, como afirmamos, nenhum grupo cumpre atualmente de forma consequente: presença tanto dentro dos fóruns estudantis da ANEL quanto, principalmente, nos da UNE; aliança operário-estudantil já!; lutar por bandejão para todos os trabalhadores da universidade e para todos os estudantes em tempo integral; lutar pelo fim do vestibular e o acesso universal à educação – se necessário, que os lucros das empresas e fortunas sejam arrancados para bancar a educação dos filhos dos trabalhadores até que todos possam ir à universidade; creches gratuitas e de qualidade nos campi para todas as trabalhadoras e estudantes; além de inúmeras outras necessidades essenciais. A hora é de lutar, companheiros! 

Fazemos, assim, um chamado a todos os militantes e demais ativistas independentes a se juntarem ao Coletivo Lenin na construção de uma nova ferramenta de luta dentro da UFRJ, uma realmente capaz de levar à frente a aliança operário-estudantil necessária para a transformação da sociedade em que vivemos.

Vamos nos juntar nessa perspectiva de defesa revolucionária dos interesses dos estudantes! Todos ao Movimento Hora de Lutar! 

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CARTA DE PRINCÍPIOS DO MOVIMENTO HORA DE LUTAR 

I) Nosso movimento tem como diretriz a aliança operário-estudantil. A maioria de nós estudantes nos tornaremos trabalhadores, ou já trabalhamos para pagar nossos estudos. Assim, sofreremos ou já sofremos dos mesmos problemas que a classe trabalhadora sofre atualmente. O próprio modelo de exploração de uma classe sobre a outra está presente no sistema de educação, que visa preparar desde cedo o estudante pra ser apenas mais um trabalhador disciplinado; 

II) Somos contra qualquer meio ou medida que vise a superexploração da juventude, como estágios mal remunerados que não cumprem o papel de ensinar e como a exigência de um primeiro emprego, que tende a empurrar a juventude recém-formada para os cargos e categorias pior pagos do mercado; 

III) Lutamos por uma educação realmente pública, o que compreende um plano de assistência estudantil que se estenda desde a alimentação, transporte, moradia e custeamento de materiais didáticos/paradidáticos até o lazer e a cultura do estudante, e permita que este não tenha que estudar e trabalhar ao mesmo tempo, o que prejudica sua formação acadêmica ou mesmo leva muitos a largar os estudos temporária ou permanentemente; 

IV) Mas a educação só vai ser realmente pública com o livre acesso, portanto, lutamos pelo fim do vestibular. Também somos pela estatização das faculdades privadas, sob controle dos trabalhadores e estudantes e pela ampliação com qualidade da rede de faculdades públicas; 

V) Sobre as medidas afirmativas, enxergamos o caráter progressivo das mesmas, porém reconhecemos sua insuficiência e lhes damos apenas apoio crítico. Entendemos que a adoção de cotas, por exemplo, não soluciona o principal problema gerado pelo vestibular de tornar a faculdade um ambiente elitizado e racista; 

VI) Combatemos toda e qualquer forma de opressão, como o machismo e o racismo, que servem apenas pra dividir e dificultar a organização dos estudantes e trabalhadores, além de serem ferramentas usadas pelas classes dominantes para nos explorar ainda mais; 

VII) Não depositamos nenhuma confiança no Estado e seus braços armados, como a polícia e o exército, que no fundo estão apenas a serviço das classes dominantes. Também denunciamos o papel que as Forças Armadas cumprem em outros países, como o exército brasileiro no Haiti, que mantém a repressão aos trabalhadores negros para garantir a ordem das classes proprietárias haitianas e estrangeiras.