29.9.11

A Gênese do Pablismo

O SWP e a Quarta Internacional
A Gênese do Pablismo

O seguinte artigo foi originalmente publicado pela tendência Espartaquista internacional (iSt) na primavera de 1972, na 21ª edição de Spartacist. Sua tradução para o português foi realizada pelo Coletivo Lenin (coletivolenin.org) em 2010, a partir da versão em inglês disponível no site da Liga Comunista Internacional (ICL) e publicado na revista Revolução Permanente número 4.


Introdução

O Socialist Workers Party (SWP) norte-americano e os pablistas europeus andaram a velocidades diferentes e seguindo diferentes caminhos ao revisionismo até convergirem, nos primeiros anos da década de 1960, em uma “reunificação” sem princípios políticos que se consolida agora ao completar o SWP a transição do centrismo pablista a um reformismo descarado. O “Secretariado Unificado” que resultou da “reunificação” de 1963 tenta se equilibrar ao redor de uma divisão aberta; o “antirevisionista” “Comitê Internacional” se desfez no ano passado. O colapso dos vários competidores pelo manto da Quarta Internacional provê uma oportunidade decisiva para o surgimento de uma autêntica tendência trotskista internacional. O que é a chave para a tarefa de reconstruir a Quarta Internacional através de um processo de rupturas e fusões é um entendimento das características e das causas do revisionismo pablista e a reação defeituosa dos anti-pablistas que lutaram, pouco e tardiamente, em um terreno nacional, enquanto, de fato, abandonavam o movimento mundial.

A Segunda Guerra Mundial: Estados Unidos e França

Antes de começar a guerra, Trotsky e a Quarta Internacional haviam acreditado que a decadência do capitalismo e o crescimento do fascismo haviam eliminado a possibilidade de existência do reformismo e, portanto, de ilusões democrático-burguesas entre as massas. Porém, não puderam se dar conta que, cada vez mais, o repúdio ao fascismo por parte da classe trabalhadora e a ameaça de ocupação fascista fizeram surgir o chauvinismo social e uma renovada confiança na burguesia “democrática” que permeou as massas proletárias em toda a Europa e Estados Unidos. Diante de tal contradição, as fortes pressões do nacionalismo retrógrado e as ilusões democráticas no meio da classe trabalhadora tenderam a desgarrar as seções da Quarta Internacional. Algumas adotavam posições sectárias enquanto outras capitulavam ao social-patriotismo que se espalhava entre as massas. O SWP adotou durante um curto período a “política militar proletária”, que reivindicava o serviço militar sob controle dos sindicatos, semeando implicitamente a idéia utópica de que os trabalhadores norte-americanos poderiam lutar contra o fascismo alemão sem que existisse um Estado operário nos Estados Unidos, através do “controle” do exército do imperialismo estadunidense. O trotskista inglês Ted Grant foi mais longe e referiu-se em um dos seus discursos às forças armadas do imperialismo britânico como o “nosso Oitavo Exército”. O IKD alemão regrediu a um menchevismo descarado com a teoria de que o fascismo trouxera consigo a necessidade de “um Estado intermediário equivalente fundamentalmente a uma revolução democrática” (Três Teses, 19 de outubro de 1941).

O movimento trotskista francês, fragmentado durante o curso da guerra, constituiu o maior exemplo dessa contradição. Um de seus fragmentos subordinou a mobilização da classe trabalhadora aos apetites políticos da ala gaulista da burguesia imperialista; outro grupo renunciou a toda luta na resistência e dedicou-se exclusivamente a fazer trabalho entre os operários das fábricas. Depois, sem reconhecer o nível de reformismo existente entre os trabalhadores, de maneira aventureira tentou ocupar fábricas durante a “liberação” de Paris enquanto as massas trabalhadoras estavam em casa. O documento da “Conferência Européia” de fevereiro de 1944, que constituiu a base para uma fusão entre dois grupos franceses para formar o Partido Comunista Internacionalista, caracterizava os dois grupos da seguinte maneira:  
“Em vez de distinguir entre o nacionalismo de uma burguesia derrotada, que continua sendo uma expressão de suas preocupações imperialistas, e o ‘nacionalismo’ das massas, que é apenas uma expressão reacionária de sua resistência contra a exploração das forças de ocupação imperialistas, a direção do POI considerava a luta de sua própria burguesia como progressista (...)”
“(...) o CCI, (...) sob o pretexto de manter intacta a herança do marxismo-leninismo, recusou obstinadamente a fazer a distinção entre o nacionalismo da burguesia e o do movimento de resistência das massas.”
I. O Isolamento do SWP

O trotskismo europeu e o trotskismo norte-americano responderam inicialmente de diferentes maneiras às diferentes tarefas e problemas que surgiram após a Segunda Guerra Mundial. O internacionalismo do SWP norte-americano, mantido através da uma íntima colaboração com Trotsky durante seu exílio no México, não sobreviveu ao assassinato deste, em 1940, e ao começo da Segunda Guerra Mundial. Os trotskistas norte-americanos se refugiaram em um isolamento que somente parcialmente lhes havia sido imposto pela desintegração das seções européias sob as condições do triunfo fascista e da ilegalidade.

Prevendo as dificuldades de coordenação internacional durante a guerra, um residente Comitê Executivo Internacional havia sido instalado em Nova York. Seu único feito importante, porém, parece ter sido convocar uma “Conferência de Emergência” da Internacional, que ocorreu em 1º de maio de 1940 “em algum lugar do hemisfério ocidental” por iniciativa das seções norteamericana, mexicana e canadense. Essa foi uma conferência parcial à qual compareceram menos da metade das seções e foi convocada com o propósito de tratar das ramificações internacionais da separação do grupo de Shachtman da seção estadunidense, que havia resultado na saída da maioria do Comitê Executivo Internacional residente. A reunião se solidarizou com o SWP na luta fracional e reconheceu sua condição de única seção estadunidense da Quarta Internacional. A conferência adotou também um “Manifesto da Quarta Internacional sobre a guerra imperialista e a revolução proletária mundial”, escrito por Trotsky. Depois da morte de Trotsky, no entanto, o CEI residente desapareceu.

A seção norteamericana da Quarta Internacional deveria ao menos ter estabelecido um Secretariado clandestino em um país neutro da Europa, com membros competentes do SWP e emigrados de outras seções, para centralizar e supervisionar diretamente o trabalho dos trotskistas nos países ocupados pelos fascistas. Porém, o SWP se contentou em limitar suas atividades internacionais durante a guerra à publicação em seus boletins internos de cartas e documentos fracionais dos grupos trotskistas europeus. A aprovação da Lei Voorhis em 1941, proibindo os grupos estadunidenses de filiarem-se a organizações políticas internacionais – que até hoje nunca foi colocada à prova – deu ao SWP uma desculpa para minimizar suas responsabilidades internacionais.

O trabalho do SWP durante a guerra revelou certa perspectiva internacionalista. Estivadores do SWP usaram a oportunidade de barcos provenientes de Vladivostok atracando na Costa Oeste para distribuir clandestinamente cópias em russo da “Carta aos Trabalhadores Russos”, de Trotsky, aos marinheiros soviéticos. O SWP concentrou seus camaradas da marinha mercante nas viagens de abastecimento a Murmansk, até que baixas extremamente graves forçaram o partido a interromper a concentração sobre Murmansk. (Foi em resposta a tais atividades que a GPU iniciou a rede de espionagem anti-trotskista de Soblen. Anos mais tarde, descobriu-se que o telefone de Cannon havia sido grampeado pela GPU e que o diretor administrativo da revista “Quarta Internacional” do SWP, um certo “Michael Cort”, era um agente infiltrado). Porém, a manutenção da direção da Quarta Internacional era parte da responsabilidade internacionalista do SWP, e deveria ter sido uma prioridade tão urgente quanto o trabalho que o SWP realizou por conta própria.

A direção do SWP passou pelo período da guerra essencialmente intacta, mas com seu isolamento reforçado e teoricamente mal equipada para orientar-se no pós-guerra.

Durante os últimos anos da guerra e no período imediato do pós-guerra, o SWP havia obtido algumas vitórias notáveis ao inserir seus quadros na indústria durante o boom e ao recrutar uma nova coluna de militantes proletários que se aproximaram dos trotskistas devido à oposição destes à política do social-patriotismo e de conciliação de classes o Partido Comunista.

Otimismo e ortodoxia

O SWP entrou no período do pós-guerra com um alegre otimismo em relação a perspectivas de uma revolução proletária. A convenção de 1946 do SWP e sua resolução, “A Iminente Revolução Norteamericana”, fizeram a projeção da continuidade de vitórias por tempo indefinido. A perspectiva isolacionista do partido se pôs em evidência nessa convenção. Reconheceu-se o caráter necessariamente internacional das crises e das revoluções, mas não o caráter internacional concomitante do partido de vanguarda. Como conseqüência, a resolução apresentava desculpas para o atraso político da classe operária dos Estados Unidos e, ao mesmo tempo, exaltava sua disposição de luta concluindo com o seguinte silogismo: “as batalhas decisivas da revolução mundial serão travadas nos países avançados, onde os meios de produção se encontram altamente desenvolvidos e onde o proletariado é forte – acima de tudo nos Estados Unidos”; assim, é suficiente fazer a revolução norteamericana e o capitalismo mundial será derrotado. Um impressionismo profundo levou o SWP a ver o mundo através dos olhos do capitalismo norte-americano, que havia saído da guerra inquestionavelmente como um pré-iminente poder mundial.

A estabilização do capitalismo europeu no pós-guerra; o surgimento de partidos stalinistas e de partidos operários e reformistas na Europa; a expansão do stalinismo no Leste Europeu (aparentemente negando a análise trotskista de que o stalinismo só pode trair), a destruição do capitalismo por grupos nacionalistas e stalinistas baseados em camponeses em países como Iugoslávia e China – todos esses fatos colocavam novos problemas teóricos para o movimento trotskista aos quais o SWP, desprovido de uma coluna de intelectuais de talento, decepado com a ruptura do pequeno-burguês Shachtman e, logo depois, desprovido da liderança de Trotsky, não tinha condições de fazer frente. A resposta imediata do SWP foi refugiar-se em uma “ortodoxia” estéril desprovida de todo conteúdo teórico real, tornando assim seu isolamento ainda mais completo.

Os anos 1950 trouxeram uma nova onda de lutas operárias espontâneas na Europa Ocidental e Oriental; mas para o SWP trouxeram o começo da caça às bruxas da Guerra Fria: os julgamentos de membros e antigos membros do Partido Comunista por causa da Lei Smith; o aniquilamento de todo aspecto da vida social e intelectual; a perseguição implacável de conhecidos “vermelhos” e militantes do movimento sindical, cortando a conexão do SWP com o movimento operário que havia levado anos para construir; o abandono de uma coluna completa de trabalhadores recrutados pelo SWP durante a última parte dos anos de 1940. A pressão objetiva para converter-se em uma simples seção de aplauso para os sucessos europeus e coloniais era forte, mas o SWP se apegou a seu compromisso verbal ortodoxo de levar a cabo a revolução norteamericana.

II. A Ruptura da Continuidade na Europa

A vulnerabilidade do movimento trotskista europeu perante o revisionismo girava em torno das debilidades históricas das organizações européias combinadas com a total destruição de sua continuidade no período anterior. Quando Trotsky lançou a luta pra fundar a Quarta Internacional em 1934, a classe operária européia, confrontada com a escolha decisiva entre o socialismo ou a barbárie, carecia de uma direção comunista. A tarefa colocada para os membros da Quarta Internacional estava clara: mobilizar a classe contra as ameaças do fascismo e da guerra, ganhá-la para o partido revolucionário mundial que defenderia o internacionalismo proletário frente à marcha de uma guerra imperialista e a capitulação social-chauvinista da Segunda e da Terceira Internacionais. Mas, Trotsky sabia da imensa dificuldade que a vanguarda tinha para marchar adiante em um período de derrota total para a classe e da “terrível desproporção entre as tarefas e os meios” (Lutando contra a corrente, abril de 1939). A debilidade do movimento europeu foi exemplificada pela seção francesa, que foi criticada repetidamente por Trotsky. Seu desvio “obreirista” pequeno-burguês e seu diletantismo foram tema de uma resolução especial na conferência fundadora da Quarta Internacional em 1938.

A Quarta Internacional se preparou para sua luta decisiva contra o fascismo e a guerra; e perdeu. Durante o curso da guerra e as ocupações nazistas, os meros rudimentos de coordenação internacional, e até nacional, foram destruídos. A Internacional se desintegrou em pequenos grupos militantes que implementavam políticas improvisadas: alguns oportunistas, outros heróicos. Os 65 camaradas franceses e alemães que foram fuzilados pela Gestapo em julho de 1943 devido a sua confraternização revolucionária derrotista e pela construção de uma célula trotskista nas forças armadas alemãs são um monumento ao valor internacional de um movimento revolucionário débil em luta contra dificuldades insuperáveis.

Quadros trotskistas dizimados

Em agosto de 1943 se tentou o restabelecimento dos rudimentos de uma organização na Europa. O Secretariado Europeu, estabelecido em uma reunião na Bélgica, incluiu exatamente um só membro remanescente da direção de antes da guerra. E, principalmente pela inexistência de quadros experientes, é que Michel Pablo (Raptis), um habilidoso organizador clandestino, não precisamente conhecido por sua habilidade como líder teórico e político, pôde emergir na direção da Internacional. Quando, em junho de 1945 se reuniu o Comitê Executivo europeu para preparar a reunião de um congresso mundial, os quadros dirigentes experientes e os mais promissores dos jovens trotskistas (A. Leon, L. Lesoil, W. Held) haviam sido assassinados pelos nazistas ou pela GPU. Havia sido rompida a continuidade do trotskismo na Europa. Esse trágico processo se reproduziu em outros lugares com a prisão e a suposta execução de Ta Thu Tau e os trotskistas vietnamitas, a possível extinção dos trotskistas chineses e a liquidação dos restantes dos trotskistas russos (incluindo, além do próprio Trotsky, Ignace Reiss, Rudolph Klement, e Leon Sedov). Os europeus estavam aparentemente tão famintos de quadros dirigentes com experiência que Pierre Frank (membro dirigente do grupo Molinier, que Trotsky denunciou como “centristas desmoralizados” em 1935 e os expulsou em 1938, por se recusarem a romper com a social-democracia francesa após a “Virada Francesa” [como a tática de entrismo foi nomeada na época]) pôde assumir a direção da seção francesa no pós-guerra.

Nessa conjuntura crucial, a intervenção e a direção de um partido trotskista norte-americano verdadeiramente internacionalista poderia fazer uma grande diferença. Porém, o SWP, que deveria ter assumido a direção da Internacional ao longo dos anos da guerra, estava ocupado em suas próprias preocupações nacionais. Cannon fez notar mais tarde que a direção do SWP havia deliberadamente reforçado a autoridade de Pablo, chegando “a minimizar uma grande parte de nossas diferenças” (junho de 1953). A responsabilidade urgente do SWP, que independente de suas deficiências era a organização trotskista mais forte e experimentada, era precisamente fazer o oposto.

III. A Ortodoxia Reafirmada

A tarefa imediata frente aos trotskistas no pós-guerra era reorientar seus quadros e reavaliar a situação da vanguarda e da classe à luz das projeções prévias. As previsões dos trotskistas de regimes capitalistas enfraquecidos na Europa ocidental e de renovação da luta de classes de forma violenta em toda a Europa, especialmente na Alemanha, onde o colapso do poder estatal nazista deixou um vácuo, haviam sido confirmadas. Entretanto, os reformistas, particularmente os partidos stalinistas, se reforçaram em suas intenções de conter a agitação espontânea dos operários. A direção da classe operária francesa passou da social democracia (SFIO), que havia dirigido a CGT antes da guerra, para as mãos dos stalinistas franceses. Assim, apesar do espírito manifestamente revolucionário da classe operária européia e as grandes greves gerais, especialmente na França, Bélgica, Grécia e Itália, em toda a extensão da Europa ocidental o proletariado não tomou o poder e o aparato stalinista surgiu com renovada força e solidez.

A Quarta Internacional respondeu retrocedendo a uma ortodoxia estéril e a uma férrea negação a crer que essas lutas haviam sido derrotadas para o período imediato:
“Sob estas condições, derrotas parciais (...) períodos de retirada temporária (...) não desmoralizam o proletariado (...) A repetida demonstração por parte da burguesia de sua inabilidade para reestabilizar uma economia e um regime político da mais mínima estabilidade oferece aos trabalhadores novas oportunidades de avançar a estágios ainda mais altos da luta.”

“O aumento das fileiras das organizações tradicionais na Europa, acima de tudo os stalinistas (...) tem alcançado seu auge em quase todas as partes. A fase de declínio está começando.” (Comitê Executivo Europeu, abril de 1946)
Os críticos oportunistas de direita no movimento trotskista (o IKD alemão, a fração do SWP de Goldman-Morrow) estavam corretos em ressaltar o otimismo exagerado de tais análises e ao indicar que as direções reformistas tradicionais da classe operária são sempre os primeiros herdeiros de uma renovação na combatividade e luta. Sua “solução”, entretanto, foi defender a limitação do programa trotskista a demandas democrático-burguesas, como apoio crítico à constituição francesa burguesa do pós-guerra. Seu conselho de levar a cabo a política de entrismo nos partidos reformistas europeus foi rechaçada de antemão pela maioria, que esperava que os trabalhadores se organizassem mais ou menos espontaneamente sob a bandeira trotskista. Essa atitude preparou o caminho para uma brusca reviravolta na questão do entrismo quando a posição implícita de ignorar a influência dos reformistas não pôde ser mantida por mais tempo.

A perspectiva da Quarta Internacional no pós-guerra imediato foi resumida por Ernest Germain (Mandel) em um artigo intitulado “A primeira fase da revolução européia” (Fourth International, agosto de 1946). O título implicou o seguinte enfoque: a “revolução” estava implicitamente redefinida como um processo metafísico durando continuamente e progredindo inevitavelmente a uma vitória, em vez de um confronto brusco e necessariamente limitado no tempo sobre a questão do poder estatal, e cujo resultado dará forma a todo o período seguinte.

Stalinofobia

A capitulação subsequente, pablista, ao stalinismo foi preparada pelo exagero impressionista de seu oposto: a stalinofobia. Em novembro de 1947, o Secretariado Internacional de Pablo escreveu que a União Soviética havia se convertido em 
“um Estado operário degenerado até o ponto de que todas as manifestações progressistas que restavam das conquistas de Outubro estavam mais e mais neutralizadas pelos desastrosos efeitos da ditadura stalinista.”
“O que resta das conquistas de Outubro está perdendo mais e mais seu valor histórico como premissa para o desenvolvimento socialista.”

“(...) das forças de ocupação russas ou dos governos pró-stalinistas, que são completamente reacionários, nós não exigimos a expropriação da burguesia (...).”
No SWP, circulava um rumor de que Cannon estaria flertando com a caracterização de que a União Soviética havia se convertido em um Estado operário totalmente degenerado, isto é, um regime de “capitalismo de Estado” – uma posição que foi abraçada pouco depois por Natalia Trotsky.

Sobre a questão da expansão stalinista no Leste Europeu, a Quarta Internacional estava unida em uma ortodoxia simplista. Uma discussão extensa do “Kremlin no Leste Europeu” (Fourth International, novembro de 1946), por E. R. Frank (Bert Cochran) foi aguda em seu tom anti-stalinista e tendeu a uma visão de que os países ocupados pelo Exército Vermelho seriam deliberadamente mantidos como Estados capitalistas. Uma polêmica contra Shachtman, travada por Mandel em 15 de novembro de 1946 foi ainda mais categórica: declara simplesmente como “absurda” a teoria de “instalação de um Estado operário degenerado em um país sem uma revolução proletária previa”. E Mandel pergunta retoricamente: “Pensa [Shachtman] realmente que a burocracia stalinista conseguiu derrotar o capitalismo em metade do nosso continente?” (Fourth International, fevereiro de 1947).

O método aqui é o mesmo seguido mais cinicamente pelo “Comitê Internacional”, anos mais tarde, sobre a questão de Cuba (perplexo? Então negue a realidade!), com a diferença de que o caráter de classe do Leste Europeu, com instituições econômicas capitalistas, mas com o poder estatal nas mãos do exército de ocupação de um Estado operário degenerado, era muito mais difícil de entender. Os empiristas e os renegados, é claro, não tiveram nenhuma dificuldade em caracterizar os Estados do Leste Europeu:
“Todo o mundo sabe que nos países onde os stalinistas tomaram o poder, estes procederam, a uma ou outra velocidade, para estabelecer o mesmo regime econômico, político e social que existe na Rússia. Todo o mundo sabe que a burguesia está sendo rapidamente expropriada, desprovida de todo o seu poder econômico e, em muitos casos, desprovida de sua existência (...) Todo mundo sabe que o que resta do capitalismo nesses países não será nem sequer restos amanhã, que a tendência em sua totalidade é estabelecer um sistema social idêntico ao da Rússia stalinista.” (Max Shachtman, “O congresso da Quarta Internacional”, outubro de 1948, New International).
Por mais penoso que esse ridículo tenha sido para eles, entretanto, os trotskistas ortodoxos estavam atrapalhados por suas análises porque não podiam constituir uma teoria para explicar a transformação do Leste Europeu sem abraçar conclusões não-revolucionárias.

Mandel, como lhe era típico nesses anos, ao menos colocava o dilema teórico claramente: é correto o entendimento trotskista do stalinismo se o stalinismo se mostra capaz em alguns casos de levar a cabo algum tipo de transformação social anticapitalista? Apegados à ortodoxia, os trotskistas haviam perdido uma compreensão real da teoria e suprimido uma parte do entendimento dialético de Trotsky do stalinismo como uma casta parasitária e contra-revolucionária assentada sobre as conquistas da Revolução de Outubro, uma espécie de intermediário traiçoeiro colocado entre o proletariado russo vitorioso e o imperialismo mundial. Fazendo isso, reduzindo o materialismo dialético a um dogma estático, sua desorientação foi completa. Quando era necessário responder à pergunta de Mandel de maneira afirmativa, se preparou o caminho para o revisionismo pablista ocupar o vazio teórico.

A Quarta Internacional flerta com Tito

Virtualmente sem exceção, a Quarta Internacional foi desorientada pela revolução iugoslava. Depois de uns 20 anos de monolitismo stalinista, os trotskistas estavam pouco dispostos a sondar a fundo o PC iugoslavo anti-Stalin. Os titoístas iugoslavos foram descritos como “camaradas” e “centristas de esquerda”, e a Iugoslávia como “um Estado operário estabelecido por uma revolução proletária”. Em uma das várias “cartas abertas” a Tito, o SWP escreveu: “A confiança das massas operárias nele [o partido de Tito] crescerá imensamente e se tornará a expressão coletiva efetiva dos interesses e dos desejos do proletariado em vosso país”. A revolução iugoslava colocava um novo problema (mais tarde recapitulado pelos sucessos chinês, cubano e vietnamita): diferentemente do Leste Europeu, onde as transformações sociais foram realizadas pelo exército de um Estado operário degenerado, a revolução iugoslava foi claramente uma revolução social nativa, que, sem a intervenção da classe operária ou a direção de um partido trotskista, conseguiu estabelecer um Estado operário (deformado). A Quarta Internacional evitou o problema teórico chamando a revolução de “proletária” e aos titoístas “centristas de esquerda”. (O SWP evitou uma caracterização sem ambiguidades do regime maoísta como um estado operário deformado até 1955. Ainda em 1954, dois artigos da tendência de Phillips, que caracterizavam a China como capitalismo de Estado, foram publicados na revista Fourth International do SWP).

Novamente se manteve a ortodoxia, porém desprovida de conteúdo. O impulso, ao qual se havia resistido até que Pablo lhe deu uma expressão consistente, era de reconhecer que a capacidade das forças não proletárias, não trotskistas, de conquistar qualquer forma de mudança social tiraria da Quarta Internacional sua razão de existir. A diferença qualitativa e crucial entre um Estado operário e um Estado operário deformado – gravada com sangue na necessidade de uma revolução política para abrir caminho ao desenvolvimento socialista e a extensão da revolução a todo o mundo – havia sido perdida.

IV. O Pablismo Triunfa

Os quadros da Quarta Internacional do pós-guerra, débeis numericamente, isolados socialmente, teoricamente desarmados e sem experiência, foram uma presa fácil para a desorientação e a impaciência em uma situação de repetida agitação pré-revolucionária, cujo curso não podiam influenciar. Surgindo no princípio de 1951 como um novo revisionismo, o pablismo começou a se fazer valer respondendo à situação objetiva frustrante ao propor uma saída artificial do isolamento da Quarta Internacional em relação ao grosso do movimento da classe operária. O pablismo foi a generalização desse impulso em um corpo teórico revisionista que oferecia respostas impressionistas que eram mais consistentes que a ortodoxia unilateral da Quarta Internacional no pós-guerra imediato.

O crucial é não igualar simplesmente a debilidade organizacional, a falta de profundas raízes no proletariado e a incapacidade teórica e desorientação que foram precondições para a degeneração revisionista da Quarta Internacional com a consolidação e a vitória desse revisionismo. Apesar de graves erros políticos, a Quarta Internacional no período do pós-guerra imediato era, todavia, revolucionária. O SWP e a Internacional se apegaram a uma ortodoxia estéril como a um talismã  para proteger-se de conclusões não revolucionárias sobre os sucesos mundiais que já não podiam entender. A história tem demonstrado que em momentos cruciais os marxistas revolucionários tem sido capazes de superar uma teoria inadequada. Lenin, antes de abril de 1917, não estava equipado teoricamente para projetar uma revolução proletária em um país atrasado como a Rússia. Trotsky, até 1933, havia igualado o Termidor russo com o regresso ao capitalismo. O pablismo era algo mais que uma teoria simétrica falsa, mais que simplesmente uma exagerada reação impressionista contra a ortodoxia. Era uma justificativa teórica  para um impulso não revolucionário baseado no abandono da perspectiva da construção de uma vanguarda proletária nos países avançados e coloniais.

Em janeiro de 1951 Pablo se aventurou no reino da teoria com um documento chamado “Para Onde Vamos?”. Apesar de parágrafos cheios de confusões e equívocos sem sentido, a estrutura revisionista, em sua totalidade, aparece claramente:
A relação de forças no tabuleiro internacional está evoluindo agora em desvantagem para o imperialismo.

Uma época de transição ente o capitalismo e o socialismo, uma época que já começou e está bastante avançada (...) Esta transformação provavelmente requererá um período completo de vários séculos de regimes transicionais entre o capitalismo e o socialismo e necessariamente se desviarão de formas e normas ‘puras’.

O proceso objetivo é, em última análise, o único fator determinante, sobrepondo-se a todos os obstáculos de ordem subjetiva.”

Os partidos comunistas conservam a possibilidade, em certas circunstâncias, de delinear uma orientação revolucionária.
A elevação feita por Pablo do “processo objetivo” ao “único fator determinante”, reduzindo o fator subjetivo (a consciência e a organização do partido de vanguarda) à categoria de trivial, a discussão de “vários séculos” de “transição” (mais tarde caracterizado pelos oponentes de Pablo como “séculos de Estados operários deformados”), e a sugestão de que a direção revolucionária podia ser dada pelos partidos stalinistas ao invés de ser dada pela Quarta Internacional, consistem na estrutura analítica completa do revisionismo pablista.

Em outro documento, “A Guerra Que Se Aproxima”, Pablo propôs sua política de “entrismo sui generis” (entrismo de tipo especial):
Para integrarmos o movimento de massas real, para trabalhar e permanecer nos sindicatos de massas, por exemplo, ‘artimanhas’ e ‘capitulações’ não são somente aceitáveis, mas necessários.
Em essência, os trotskistas deveriam abandonar a perspectiva de um entrismo a curto prazo cujo propósito havia sido sempre o de rachar as organizações não revolucionárias, baseando-se em um programa sólido, como uma tática para construir um partido trotskista. A nova política entrista provinha diretamente das análises de Pablo. Dado que a afirmação de uma mudança na relação de forças mundiais a favor do avanço da revolução impusionaria os partidos stalinistas a desempenhar um papel revolucionário, era lógico que os trotskistas deveriam ser parte desses partidos, seguindo uma política que consistiria essenssialmente em pressionar o aparato stalinista.

Tudo isto deveria ter feito explodir uma bomba nas cabeças dos quadros trotskistas internacionais. Pablo era, afinal, a cabeça do Secretariado Internacional, o corpo político dirigente da Quarta Internacional! Mas há pouca evidência sequer de preocupação, quanto mais da necessária formação de uma fração anti-revisionista  internacional. Um extenso documento escrito por Ernest German (“Dez Teses”), e talvez um certo rumor subterrâneo, forçou Pablo a produzir uma tentativa de explicação ortodoxa quanto à questão do “período de transição”, mas nenhuma outra polêmica por escrito questionou o ataque mais descarado de Pablo contra o programa trotskista.

Mandel resiste

Em março de 1951, Mandel publicou suas “Dez Teses”, que era um ataque velado contra “Para Onde Vamos?”, mas não atacou a Pablo nem a seus documentos. Mandel voltou a estabelecer o uso marxista do “período transicional” como o período entre a vitória da revolução (a ditadura do proletariado) e a vitória do socialismo (a sociedade sem classes). Sem referir-se explicitamente à posição de Pablo, escreveu: “Assim como a burguesia, [o stalinismo] não sobreviverá a uma guerra que se transformará no surgimento de uma revolução.”. Mandel insistiu no caráter contraditório bonapartista do stalinismo, baseado em formas de propriedade proletárias enquanto protege a posição privilegiada da burocracia contra os operários. Realçou a natureza dos partidos comunistas de massas fora da URSS, determinada por sua base proletária por um lado, e a subserviência às burocracias stalinistas no poder por outro.

Mandel tentou apresentar uma resposta ortodoxa ao impulso pablista de que a destruição do capitalismo no Leste Europeu, na China e na Iugoslávia sem uma direção trotskista tornava a Quarta Internacional supérflua. Novamente, não referiu-se às posições que estava atacando; alguém poderia pensar que as “Dez Teses” simplesmente caíam do céu com um exercício teórico interessante, ao invéz de ser uma resposta ao surgimento de uma corrente revisionista, completamente oposta à linha de Mandel. Ao insistir que um novo levante revolucionário mundial não estabilizaria o stalinismo, mas que, pelo contrário, seria um perigo mortal para ele, escreveu:
É precisamente por que a nova onda revolucionária contém um embrião da destruição dos partidos stalinistas como tais que deveríamos estar hoje muito mais com os operários stalinistas. Esta é somente uma fase de nossa tarefa fundamental: construir novos partidos revolucionários (...)

“ ‘Estar mais com os operários stalinistas’  significa, então, ao mesmo tempo,  afirmar mais do que nunca nosso próprio programa e nossa própria política trotskista.
As “Dez Teses” mostraram que todas as ramificações do movimento trotskista eram incapazes, porém, de entender a natureza das transformações sociais que haviam ocorrido no Leste Europeu (ainda que a análise da maioria do RCP britânico de Hanston/Grant, incorporado pelo grupo de Los Angeles do SWP de Vern-Ryan, tenha conseguido o princípio – mas apenas o princípio – da sabedoria ao reconhecer que no período do pós-guerra imediato um exame das formas de propriedade nativas não seria suficiente, uma vez que o poder estatal no Leste Europeu era um exército de ocupação estrangeiro, o Exército Vermelho). Em 1951 Mandel considerava, porém, o processo de “assimilação estrutural” incompleto (!) e previa uma assimilação dos exércitos dos Estados do Leste Europeu ao exército soviético – isto é, que o Leste Europeu seria simplesmente incorporado  à União Soviética. Mandel reconheceu que a transformação do Leste Europeu destruía o capitalismo, mas continha em si, ainda que vitorioso, um obstáculo burocrático decisivo ao desenvolvimento socialista; destacou que a expansão do modo de produção não capitalista da URSS “é infinitamente menos importante que a destruição do movimento operário vivo que lhe há precedido.”

Não se havia reconhecido um obstáculo semelhante com relação à China e, especialmente, Iugoslávia. Os trostskistas eram incapazes de desassociar o fenômeno do stalinismo da pessoa de Stalin; a ruptura de Tito com o Kremlin obscureceu qualquer reconhecimento de que a Iugoslávia seguiria necessariamente uma política interna e diplomática qualitativamente idêntica para salvaguardar os interesses de seu próprio regime nacional-burocrático contra a classe operária. Mandel, não querendo admitir que forças stalinistas na direção das massas camponesas pudessem consumar uma revolução socialista, chamou aos sucessos na Iugoslávia e China em suas “Dez Teses” de revoluções proletárias e também propôs que “sob tais condições esses partidos deixam de ser stalinistas no sentido clássico da palavra.”

Enquanto Pablo interpretava esses sucessos como um modelo revolucionário novo que tornavam inválidas “as formas e normas ‘puras’” (isto é, a Revolução Russa), Mandel – novamente sem referir-se a Pablo – destacou que estes eram resultados de circunstâncias excepcionais que, em qualquer caso, não se poderiam aplicar a países industriais avançados.  Ele opunha “a frente única de fato existente entre revoluções coloniais na Ásia e a burocracia soviética, que tem sua origem objetiva no fato de que ambas se encontram ameaçadas pelo imperialismo...” às possibilidades para a Europa. Estava de acordo com a previsão de que uma terceira guerra mundial iminente entre “a frente única imperialista por um lado e a URSS e as revoluções coloniais por outro”, e lhe chamava de guerra contra-revolucionária.

A essência do argumento de Mandel era:
“O que importa acima de tudo no presente período é dar ao proletariado uma direção internacional capaz de coordenar suas forças e de proceder à vitória mundial do comunismo. A burocracia stalinista, forçada a voltar-se com uma fúria cega contra a primeira revolução proletária vitoriosa fora da URSS (Iugoslávia), é incapaz socialmente de levar a cabo tal tarefa. Aqui reside a missão histórica do nosso movimento (...) reside na incapacidade do stalinismo de derrotar o capitalismo mundial, uma incapacidade da natureza social da burocracia soviética.”
Com a vantagem da visão a posteriori e a experiência dos últimos 20 anos – a natureza contra-revolucionária do stalinismo, reafirmada mais claramente na Hungria em 1956; a Revolução Cubana de 1960, na qual um nacionalismo pequeno-burguês na direção de guerrilheiros camponeses destruiu o capitalismo tão somente para unir-se ao aparato stalinista interna e externamente; as políticas consistentemente nacionalistas e stalinistas do PC chinês no poder – é fácil reconhecer que as “Dez Teses” estão equivocadas em suas análises e previsões. O que é muito mais importante, entretanto, é o tom não fracional consistente e deliberado do documento, que pressagia a negação de Mandel de colocar-se no campo anti-pablista. Empenhado em não lutar por uma linha correta na Quarta Internacional, a defesa teórica de Mandel da necessidade do trotskismo queria dizer muito pouco. Isto era simplesmente pablismo de segunda mão, a negação do fator subjetivo no processo revolucionário.

O Terceiro Congresso Mundial

O Terceiro Congresso Mundial da Quarta Internacional ocorreu entre agosto e setembro de 1951. O principal informe político tentou distinguir entre os partidos comunistas e os partidos reformistas sobre a base de que somente os primeiros eram contraditórios, e projetava que sob a pressão de um forte auge do movimento de massas os PCs poderiam converter-se em partidos revolucionários. A natureza oportunista da versão de Pablo da tática de entrismo se revelou claramente pelo rechaço do entrismo de princípios, cuja finalidade é polarizar e dividr: “As possibilidades de rachas importantes nos PCs (...) são substituídas por um movimento à esquerda por parte das bases dos PCs.” Não se reconheceu nenhuma deformação decisiva nos Estados operários do Leste Europeu e China; assim, implicitamente, o Congresso estabelecia apenas uma diferença quantitativa entre a União Soviética de Lenin e os Estados operários degenerados e deformados. O informe projetava a possibilidade de que Tito poderia “dirigir um reagrupamento de forças revolucionárias independente do capitalismo e do Kremlin (...) que jogaria um papel importante na formação de uma nova direção revolucionária.” Não se mencionava para nada a perspectiva da revolução permanente nos países coloniais.

A aplicação da política de Pablo de “entrismo sui generis” foi elaborada na Comissão Austríaca:
A atividade de nossos membros no SP [Partido Socialista] será guiada pelas seguintes diretrizes: a) Não apresentar-se como trotskistas com nosso programa total. b) Não apresentar questões programáticas e de princípios (...)
Nem a maior quantidade possível de ortodoxia verbal nas resoluções poderia obscurecer durante mais tempo os olhos daqueles que quisessem ver.

O Partido Comunista Internacionalista da França submeteu as “Dez Teses” de Mandel a voto (depois que o próprio Mandel havia aparentemente decidido não fazê-lo) e propôs emendas ao documento principal. Não se votaram as “Dez Teses” ou as emendas francesas. O PCI votou contra a adoção da linha geral do documento principal; foi a única seção que o fez.

Nos meses que seguiram, a linha pablista foi elaborada de maneira revelada já antes e durante o Terceiro Congresso Mundial:
Estamos entrando [nos partidos stalinistas] para permanecermos neles durante muito tempo, contando com a grande possibilidade de ver esses partidos, sob novas condições [“um período pré-revolucionário genericamente irreversível”], desenvolverem tendências centristas que estarão na direção de um estado completo de radicalização das massas e de processos revolucionários objetivos...” (Pablo, Informe ao Décimo Pleno do Comitê Executivo Internacional, fevereiro de 1952)
Pressionada entre a ameaça imperialista e a revolução colonial, a burocracia soviética se viu obrigada a aliar-se com a segunda contra a primeira (...) A desintegração do stalinismo nesses partidos não deveria ser entendida (...) como uma desintegração organizacional (...) ou como uma ruptura pública com o Kremlin, senão como uma transformação interna progressiva.” (“O ascenso e o declínio do stalinismo”, Secretariado Internacional, setembro de 1953)
V. Os Anti-pablistas

Com a capitulação de Mandel, cujo papel nos conflitos preliminares sobre as políticas pablistas é ambíguo, mas em quem os franceses parecem haver depositado uma certa confiança, a tarefa de lutar contra o pablismo racaiu sobre a maioria do PCI francês de Bleibtreu-Lambert e no SWP norte-americano. Apesar de existir uma considerável mitologia que defende o contrário, tanto o PCI como o SWP vacilaram quando o revisionismo se manifestou na direção da Quarta Internacional, colocando obstáculos somente à aplicação em suas próprias seções. Ambos os grupos se comprometeram por sua inquieta conformidade (combinada, no caso do PCI, com resistência esporádica) a apoiar a política de Pablo, até que as consequências organziacionais suicídas para suas seções fizeram necessárias duras batalhas. Ambos abdicaram da responsabilidade de levar a luta contra o revisionismo a todos e cada um dos grupos e seções da Quarta Internacional, e ambos se retiraram da luta por meio da fundação do “Comitê Internacional”, baseado “nos princípios do trotskismo ortodoxo”. O CI, desde o seu começo, era apenas o esqueleto de uma tendência internacional formada por grupos que já haviam se dividido entre ramificações pablistas e ortodoxas.

O PCI luta contra Pablo

A maioria do PCI, depois de sofrer intervenção pelo Secretariado Internacional (que havia instalado uma minoria leal a Pablo conduzida por Mestre e Frank como direção da seção francesa), continuou afirmando sua conformidade com a linha do Terceiro Congresso Mundial, argumentando que Pablo, o SI e o Comitê Executivo Internacional estavam violando suas decisões: segundo os franceses, o pablismo “utiliza as confusões e contradições do Congresso Mundial – no qual não pôde impor-se – para se fazer valer após o Congresso” (“Declaração da tendência Bleibtreu-Lambert sobre os acordos concluídos no CEI”, sem data, março ou abril de 1952).

Uma importante carta fechada de Renard a Cannon, publicada em 16 de fevereiro de 1952 em nome da maioria do PCI, apelava ao SWP. A carta de Renard afirmava sua conformidade com o Terceiro Congresso Mundial, incluindo sua Comissão Francesa, e opunha o Congresso Mundial supostamente não pablista (citando vagas trivialidades para demonstrar seu impulso presumivelmente ortodoxo) às ações e linhas subsequentes de Pablo no CEI e no SI. Renard afirmava que “O pablismo não triunfou no Terceiro Congresso Mundial.” (Astutamente, não tentou explicar por que sua organização votou contra os principais documentos do Congresso!). O argumento principal da carta é um apelo contra a intervenção da direção internacional pablista na seção francesa.

A resposta de Cannon, de 29 de maio, acusa a maioria do PCI de oportunismo estalinofóbico no movimento sindical (fazer um bloco com os anticomunistas progressistas contra o PC) e negava a existência de alguma coisa como o pablismo.

A maioria do PCI mostrou um claro entendimento das implicações do entrismo pablista. Em uma polêmica contra o teórico da minoria, Mestre, a maioria havia escrito:
Se essas idéias são corretas, deixemos de chacotas sobre a tática do entrismo, até mesmo o entrismo sui generis, e implementemos claramente nossas novas tarefas: as de uma tendência mais consistente, nem sequer uma oposição de esquerda (...) cujo papel é ajudar o stalinismo a vencer suas dúvidas e colocar sob as melhores condições possíveis o enfrentamento decisivo com a burguesia (...) Se o stalinismo se transformou... [quer dizer] que já não refletiria os interesses particulares de uma casta burocrática cuja existência mesma depende do equilíbrio entre as classes, que já não é bonapartista, mas que reflete somente (...) a defesa de um Estado operário. Admitir que uma transformação tal possa ter ocorrido sem a intervenção do proletariado soviético (...) mas, ao contrário, pela evolução da própria burocracia (...) nos levará não somente a corrigir o Programa de Transição [mas também] todas as obras de Leon Trotsky desde 1923 e a fundação da Quarta Internacional.” (“Primeiras indicações de zigue zague”, Boletim Interno do PCI No. 2, fevereiro de 1952)
Mas a maioria do PCI, como o SWP, demonstrou uma falta de internacionalismo concreto quando se enfrentou com a possibilidade de levar a cabo por si só a luta contra o pablismo.

Em 3 de junho de 1952, a maioria do PCI pediu o reconhecimento de duas seções francesas da Quarta Internacional, permitindo assim à maioria levar a cabo sua própria política na França. Isto era uma violação clara dos estatutos de fundação da Quarta internacional e supunha a liquidação da Internacional como um organismo mundial disciplinado. O que era necessário era uma luta fracional internacional em cima da linha política da Quarta Internacional. Mas a maioria do PCI não estava disposta a subordinar seu trabalho na França à luta crucial a favor da legitimidade e continuidade da Quarta Internacional. A negação de Pablo a essa demanda conduziu diretamente ao racha da maioria do PCI.

O SWP entra na luta

O SWP se uniu à luta contra o revisionismo somente quando uma tendência pró-pablista, a ala de Clarke na fração Cochran-Clarke, surgiu no interior do partido norte-americano. Em sua resposta a Renard, com data de 29 de maio de 1952, Cannon havia dito:
Não vemos [nenhum tipo de tendência pró-stalinista] na direção internacional da Quarta Internacional, nem nenhum sinal ou sintoma disso. Não vemos nenhum revisionismo [nos documentos] (...) consideramos estes documentos como completamente trotskistas (...) é a opinião unânime dos dirigentes no SWP que os autores destes documentos têm feito um grande serviço ao movimento.
A história de que o SWP havia preparado algumas emendas aos documentos do Terceiro Congresso Mundial que Clarke (o representante do SWP na Internacional) havia queimado em vez de apresentá-los é possivelmente verdade, mas não muito significativa, dado que Cannon declarou sua lealdade política a Pablo no momento crucial e recusou solidariedade com a maioria anti-pablista do PCI.

Contra a defesa da fração Cochran-Clarke de um foco nos “companheiros de viagem” do PC, a maioria do SWP insistia em uma espécie de excepcionalismo norte-americano, opondo os partidos de massas europeus ao patético PC norte-americano, sem base operária e repleto de intelectuais de terceira categoria, mas em geral afirmou seu apoio à tática pablista de entrismo nos PCs.

Em resposta à ameaça de Cochran-Clarke, Cannon se dispôs a formar uma fração no SWP, ajudado pela direção local de Weiss em Los Angeles. Cannon buscava alinhar os velhos quadros do partido ao redor da questão de conciliação com o stalinismo e apelou aos sindicalistas do partido, como Dunne e Swabeck, fazendo uma analogia entre a necessidade de uma luta fracional no partido e a luta no meio da classe trabalhadora contra os reformistas e vendidos, como processos paralelos de luta fracional contra uma ideologia estranha. Disse ao pleno do SWP em maio de 1953:
Durante o curso do ano passado, tive sérias dúvidas sobre a possibilidade de SWP sobreviver (...) Pensei que nosso esforço de 25 anos (...) havia terminado em um fato catastrófico, e que, mais uma vez, um pequeno punhado teria que recolher os destroços e se empenhar de novo a construir os novos quadros de outro partido sobre os velhos fundamentos.” (Discurso de encerramento, 30 de maio)
Mas Cannon escolheu outro caminho. Em vez de perseverar na luta para onde quer que esta conduzisse, formou um bloco com o aparato de Dobbs-Kerry-Hansen frente às implicações organizacionalmente liquidacionistas da linha de Cochran-Clarke. Como preço por seu apoio, Cannon prometeu à administração rotineira e conservadora de Dobbs o controle do SWP sem mais ingerências de sua parte (“um novo regime no partido”).

A resposta do SWP ao encontrar a disputa da Internacional refletindo-se dentro da seção norteamericana foi aprofundar seu isolamento até um virulento anti-internacionalismo. O discurso de Cannon na reunião da maioria do SWP de 18 de maio de 1953 afirmava: “Não nos consideramos uma sucursal norteamericana de um negócio internacional que recebe ordens de um chefe” e culminava a discussão dizendo que “formaríamos, se fosse possível [!], uma linha comum”. Cannon negou a legitimidade da direção internacional e se referiu a “uma quanta gente em Paris” [o CEI]. Contrastou a Quarta Internacional com o Comintern de Lenin, que tinha poder estatal e uma direção cuja autoridade era reconhecida amplamente, e assim negava que a Quarta Internacional contemporânea poderia ser um organismo com centralismo democrático.

Cannon se opôs com atraso à conduta de Pablo contra a maioria francesa, mas somente sobre a questão organizativa, de acordo com a ideia de que a direção da Internacional não deveria intervir nos assuntos das seções nacionais. Escreveu:
“(...) Tivemos dúvidas ante as táticas usadas no recente conflito e racha na França e ante o precedente organizacional inconcebível que ali se estabeleceu. Esta é a razão por que demorou durante tanto tempo a minha resposta a Renard. Queria ajudar ao SI publicamente, mas não via como podia aprovar os passos organizacionais tomados contra a maioria de uma direção eleita. Finalmente resolvi o problema simplesmente ignorando essa parte da carta de Renard.” (“Carta a Tom”, 4 de junho de 1953)
A “Carta a Tom” também reiterava a posição de que o Terceiro Congresso Mundial não era revisionista.

Os defeitos cruciais na luta anti-pablista do PCI e do SWP foram devidamente utilizados pelos pablistas. O pleno do CEI criticou Cannon por seu conceito de Internacional como “uma união federativa”. Apontou que o SWP não se opusera nunca à política de entrismo pablista em princípio e acusava o SWP-PCI de um bloco sem princípios políticos sobre a China. Aproveitando-se da ortodoxia unilateral do SWP (a defesa de Hansen da formulação de um membro da maioria do SWP de que o stalinismo era “contra revolucionário de cabo a rabo”, uma caracterização que cabe somente à CIA) os pablistas foram capazes de vestir sua liquidação do programa trotskista independente com o manto de inocentes reafirmações das contradições do stalinismo como uma casta contra-revolucionária que repousa sobre formas de propriedade estabelecidas pela Revolução de Outubro.

O CI é fundado

Depois do racha de Cochran-Clarke, o SWP rompeu publicamente com Pablo de súbito. Em 16 de novembro de 1953, The Militant [o jornal do SWP] publicava “Uma Carta Aberta aos Trotskistas de Todo o Mundo”, que denunciava Cochran-Clarke e Pablo e se solidarizava tardiamente com a maioria do PCI, “injustamente expulsa”. As caracterizações anteriores do SWP do Terceiro Congresso Mundial como “completamente trotskista” necessitavam de uma tentativa, nesta chamada “Carta Aberta”, de localizar no tempo o surgimento do pablismo depois do Congresso, o que condenava o SWP a apresentar um caso pouco convincente, apoiando-se fundamentalmente em um ou dois panfletos da minoria pablista francesa de 1952. Aproximadamente nessa mesma época o SWP imprimiu seu documento “Contra o Revisionismo Pablista”, com data de novembro de 1953 e que continha uma análise mais competente da acomodação liquidacionista de Pablo ao stalinismo:
O conceito de que um Partido Comunista de massas tomará o caminho até o poder, necessitando somente de uma pressão suficiente das massas, é falso. Passa a responsabilidade das derrotas revolucionárias da direção às massas (...)

A classe operária se transforma [segundo as teorias de Pablo] em um grupo de pressão e os trotskistas, em um agrupamento de pressão a seu lado, que empurra uma seção da burocracia à revolução. Dessa maneira, a burocracia, de um dique e uma traidora da revolução, se transforma em uma força motora auxiliar dela.
Em 1954 se formou o “Comitê Internacional”. Incluía a maioria do PCI francês, o SWP norte-americano (fraternal) e o grupo de Healy (Burns) na Inglaterra. O último não jogou nenhum papel significativo ou independente na luta contra o revisionismo. O racha de Healy-Lawrence no Revolutionary Communist Party, que estava se desintegrando após a guerra, impulsionado pela perspectiva de fração de Healy-Lawrence de entrismo profundo no Partido Trabalhista britânico, havia sido respaldado pelo Secretariado Internacional de Pablo, que reconhecia duas seções na Inglaterra e lhes dava igual representação no Comitê Executivo Internacional. Healy era o “homem de Cannon” na Inglaterra e o SWP lhe havia apoiado consistentemente em suas disputas com o RCP. Quando o SWP se separou de Pablo, a fração Healy-Lawrence se dividiu, Healy se alinhou com o SWP e Lawrence com Pablo (Lawrence mais tarde passou ao stalinismo, assim como a minoria pablista do PCI). Apesar de ser parte do novo bloco internacional anti-pablista, o grupo de Healy continuou seu oportunismo arquipablista com relação ao Partido Trabalhista. Não teve nenhum peso no bloco do Comitê Internacional até que recrutou uma coluna impressionante de intelectuais e membros do PC nos sindicatos (muitos dos quais perdeu mais tarde), depois da Revolução Húngara em 1956, e isto lhe fez consideravelmente mais importante na esquerda britânica.

O Comitê Internacional também reivindicava possuir a adesão da seção chinesa (emigrados), que já havia sofrido uma divisão, e da pequena seção suíça.

O Comitê Internacional conseguiu imprimir um par de boletins internos no princípio de 1954, mas nunca se reuniu como um verdadeiro organismo internacional, nem nunca elegeu uma direção centralizada. A tática adotada pelo SWP era a de boicotar o Quarto Congresso Mundial, alegando que era simplesmente uma reunião da fração de Pablo, que não tinha nenhuma legitimidade como representante da Quarta Internacional.

O movimento mundial pagou um alto preço por essa fuga. Para citar um exemplo: o Ceilão (atual Sri Lanka). O LSSP ceilanês adotou uma posição não fracional sobre o pablismo, apelando ao SWP para que não se separasse e participasse do Quarto Congresso. Uma dura luta deveria ter sido agressivamente travada com os ceilaneses cheios de dúvidas, forçando uma polarização e forjando sólidos quadros através do enfrentamento. Em vez disso, os ceilaneses foram arrastados até Pablo. Uns sete anos mais tarde, a reputação revolucionária do trotskismo foi manchada aos olhos de militantes em todo o mundo pela entrada do LSSP no governo de coalizão burguês do Ceilão. Se houvesse sido travada uma dura luta antirrevisionista com sólidos princípios na seção do Ceilão de 1953, teria sido possível criar então uma sólida organização revolucionária que poderia ter reclamado para si de forma independente a continuidade do trotskismo, impedindo a associação do nome do trotskismo à traição do LSSP.

Assim, a luta antirevisionista foi deliberadamente não levada ao movimento mundial – o Comitê Internacional constituído principalmente daqueles grupos que já haviam tido suas rupturas em torno da aplicação da política de Pablo em seus próprios países – e a luta para derrotar o revisionismo e reconstruir a Quarta Internacional sobre as bases de um trotskismo autêntico foi abortada.

Do flerte à consumação

Em 1957, o Secretariado Internacional de Pablo e o SWP flertaram com uma possível reunificação (a correspondência de Hansen-Kolpe). A base nesse momento foi uma ortodoxia formal – a similaridade de linhas entre o SI e o SWP em resposta à Revolução Húngara de 1956. O SWP, esperando talvez ingenuamente, uma repetição da posição de Clarke em 1953 sobre a possibilidade de uma auto-liquidação das burocracias stalinistas, tendeu a receber conclusões formalmente trotskistas do SI sobre a Hungria, como se fossem boa coisa. Essas primeiras proposições de reunificação não avançaram devido à oposição dos grupos do Comitê Internacional ingleses e franceses, assim como às suspeitas de Cannon de que Pablo estaria manipulando. Havia-se colocado a questão simplesmente como um acordo empírico aparente sem examinar as diferenças passadas e a direção presente.

Quando a questão da reunificação, que se consumaria em 1963 com a formação do Secretariado Unificado, veio novamente à tona, o terreno político em sua totalidade havia mudado. O SI e o SWP convergiram com relação a Cuba. Mas, a base já não era uma convergência aparente, senão o abandono por parte do SWP do trotskismo para abraçar o revisionismo pablista (o qual o SWP, em sua linha de colaboração de classes sobre a guerra do Vietnã, supera agora em seu caminho até um reformismo descarado).

A base para a reunificação de 1963 foi um documento intitulado “Pela Total Reunificação do Movimento Trotskista Mundial – Declaração do Comitê Político do SWP”, de 1º de março de 1963. A chave da nova linha era a seção 13:
No caminho de uma revolução que comece com simples demandas democráticas e termine com a ruptura das relações de propriedade capitalistas, a guerra de guerrilhas conduzida por camponeses sem terra e forças semi-proletárias, sob uma direção que se vê forçada a levar a cabo a revolução até a conclusão, pode jogar um papel decisivo em precipitar a queda de um poder colonial e semi-colonial. Esta é uma das lições principais que se deve tirar da experiência desde a Segunda Guerra Mundial. Deve ser incorporada conscientemente na estratégia da construção de partidos marxistas revolucionários nos países coloniais.
No documento “Rumo ao Renascimento da Quarta Internacional”, de 12 de junho de 1963, a tendência Espartaquista contrapunha:
A experiência desde a Segunda Guerra Mundial tem demonstrado que a guerra de guerrilhas baseada nos camponeses sob uma direção pequeno burguesa não pode ir além de um regime burocrático antioperário. A criação de tais regimes tem sido possível sob condições de decadência do imperialismo, a desmoralização e desorientação causadas pela traição stalinista e a ausência de uma direção revolucionária marxista na classe operária. A revolução colonial pode ter um signo inequivocamente progressista somente sob uma direção do proletariado revolucionário. Para os trotskistas, incorporar à sua estratégia o revisionismo sobre a questão da direção proletária na revolução, é uma profunda negação do marxismo-leninismo, qualquer que seja o beato desejo expressado ao mesmo tempo de ‘construir partidos marxistas revolucionários nos países coloniais’. Os marxistas devem opor-se resolutamente a qualquer influência aventureirista da via ao socialismo através da guerra de guerrilha camponesa – análoga historicamente ao programa tático dos Socialistas-Revolucionários russos em contraposição ao que lutou Lenin. Esta alternativa seria um curso suicida para os socialistas do movimento e, talvez, fisicamente, para os mesmos aventureiros.
Ironicamente, a contínua evolução à direita do SWP leva-o agora a repudiar a linha da seção 13, mas pela direita. A preconização por parte do SU de luta armada pequeno burguesa era demasiado aventureirista para o legalístico SWP, que pretende converter-se no partido de massas do reformismo norte-americano.

Espartaquistas e a Quarta Internacional

Em sua luta por fundar a Quarta Internacional, Trotsky destacou repetidamente a imperiosa necessidade de uma organização revolucionária sobre uma base internacional. O isolamento nacional prolongado dentro de um país deve finalmente desorientar, deformar e destruir qualquer grupo revolucionário, por mais firme que seja subjetivamente. Somente uma colaboração internacional disciplinada e com princípios pode prover um equilíbrio às fortes pressões ao isolamento e o social chauvinismo gerados pela burguesia e seus agentes ideológicos no meio do movimento operário. Como Trotsky reconheceu, aqueles que negam a necessidade de um partido mundial centralizado democraticamente e fundado programaticamente, negam o mesmo conceito leninista de partido de vanguarda. A destruição da Quarta Internacional pelo revisionismo pablista, em paralelo com a fratura organizacional em numerosos blocos internacionais competidores, necessita de uma luta incessante pelo seu renascimento.

Nos dez anos de nossa história, a tendência Espartaquista tem enfrentado e resistido a importantes pressões objetivas ao abandono de uma perspectiva internacionalista: cortada a possibilidade de laços internacionais disciplinados como resultado do sectarismo organizativo e da degeneração política subsequente do Comitê Internacional de Gerry Healy, a Liga Espartaquista tem recusado a consentir passivamente com o isolamento nacional que nos havia sido imposto. Temos rechaçado enfaticamente o “internacionalismo” postiço que conseguia conexões internacionais ao preço de um pacto de não agressão federalista renunciando de antemão à luta por uma organização internacional disciplinada. Temos buscado o desenvolvimento de laços fraternais com grupos de outros países como parte de uma coerente tendência internacional, democrática-centralista baseada na unidade de princípios programáticos; o embrião de uma Quarta Internacional reconstruída.

A atual separação dos diversos blocos “trotskistas” internacionais provê agora uma melhor oportunidade para a intervenção da tendência Espartaquista no movimento mundial. Nossa história e nosso programa podem servir como um “guia” para correntes que agora estão em movimento até o trotskismo autêntico porque, apesar do isolamento nacional involuntário durante um certo tempo, mantivemos nossa determinação internacionalista e continuamos nossa luta de princípios contra o revisionismo.

Os destroços das pretensões revisionistas e centristas a uma organização internacional – a revelação de que o Secretariado Unificado, o Comitê Internacional, etc., não foram mais do que blocos federativos apodrecidos – combinado com o renascimento mundial da combatividade proletária no contexto da agudização de rivalidade interimperialista e a intensificação da profunda crise capitalista, nos provê uma oportunidade objetiva sem precedentes para a cristalização e o desenvolvimento da tendência Espartaquista internacionalmente. Enquanto os cadáveres políticos dos blocos revisionistas continuam corrompendo-se, a Quarta Internacional, o Partido Mundial da Revolução Socialista, deve renascer.

PELO RENASCIMENTO DA QUARTA INTERNACIONAL!
Devido à sua própria natureza o oportunismo é nacionalista, uma vez que ele se apóia nas necessidades locais e temporárias do proletariado, e não em suas tarefas históricas. Oportunistas encaram o controle internacional como sendo intolerável e reduzem seus laços internacionalistas a inofensivas formalidades (...) sob a condição de que cada grupo não impeça os outros de conduzirem uma política oportunista em relação à sua tarefa nacional (...). Unidade Internacional não é uma fachada decorativa para nós, mas o próprio eixo de nossas visões teóricas e de nossa política. Ao mesmo tempo, não há poucos ultra-esquerdistas (...) [que] travam uma batalha semi-consciente para dividir a Oposição de Esquerda em grupos nacionais independentes e para liberá-los do controle internacional.” (Leon Trotsky, “A Defesa da União Soviética e a Oposição”, 7 de setembro de 1929)

Defendemos não a democracia em geral, mas a democracia centralizada. É precisamente por este motivo que colocamos a direção nacional acima da direção regional e a direção internacional acima da nacional.
(Leon Trotsky, “Carta Aberta a Todos os Membros do Leninbund [fração de esquerda do PC alemão, expulsa em 1928], 6 de fevereiro de 1930)